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A intensificação do antissemitismo no mundo árabe nos últimos anos e o seu ressurgimento em partes da Europa tem provocado um número de reflexões profundas sobre a natureza e as consequências deste fenômeno, mas também análises enganosas baseadas em premissas duvidosas. É largamente assumido, por exemplo, que o antissemitismo é uma forma de racismo ou xenofobia étnica. Esse é um legado do período pós-Segunda Guerra, quando revelações sobre o escopo terrível da “solução final” de Hitler causaram repulsa contra todas as manifestações de ódio a grupos. Desde então, o racismo, em qualquer uma de suas manifestações, foi identificado como o mal a ser combatido.

Mas, se o antissemitismo é uma forma de racismo, é uma variedade muito peculiar, com muitas características únicas. Do meu ponto de vista como historiador, é tão peculiar que merece ser colocado em uma categoria diferente. Eu o chamaria de uma doença intelectual, uma doença da mente, extremamente contagiosa e massivamente destrutiva. É uma doença a qual tanto o indivíduo humano como as sociedades humanas estão suscetíveis.

Geneticistas e especialistas em campos conexos devem objetar que minha observação não é válida cientificamente. Minha tréplica é simples: como alguém pode fazer julgamentos científicos nessa área? Cientistas não podem sequer concordar em como definir o próprio conceito de raça, ou se a categoria existe em qualquer sentido significativo. Os imensos avanços em genética nos últimos cinquenta anos, longe de simplificar o problema, apenas fizeram com que ele pareça mais complexo e misterioso.[1] Tudo o que os cientistas parecem ser capazes de isto essencialmente, é o que um historiador faz também. Ele mostra como os seres humanos têm se comportado, em longos períodos de tempo e em muitos locais diferentes, quando confrontados com o fato aparente de existirem diferenças raciais.

A evidência histórica sugere que o racismo, em vários graus, é onipresente em sociedades humanas, tanto que ele pode até ser considerado natural e inevitável (embora não irremediável: suas consequências comportamentais podem ser mitigadas pela educação, acordos políticos e casamentos interraciais). Ele frequentemente toma a forma de uma hostilidade nacional, especialmente quando dois países estão localizados geograficamente em posições de antagonismo. Esse tem sido o caso com França e Inglaterra, Polônia e Rússia e Alemanha e Dinamarca, para ficar apenas em três exemplos óbvios.

O grau de hostilidade pode crescer ou diminuir como o resultado de uma mudança histórica. Tal foi o caso da Escócia e da França, que foram aliados naturais e em termos bastante amigáveis enquanto a Inglaterra era o inimigo comum de ambos. Mas, após a união da Escócia com a Inglaterra, os escoceses absorveram o antigalicismo geral da nação britânica. De modo similar, a criação da União Europeia diminuiu o ódio nacionalista em alguns casos (especialmente entre França e Alemanha) enquanto aumentou em alguns outros (Alemanha e Dinamarca).

Em contraste, o antissemitismo é muito antigo, quase nunca associado a fronteiras e, embora ele tenha tido seus altos e baixos, parece impermeável a mudanças. Os judeus (ou hebreus) são “estrangeiros e peregrinos”, como o livro de Gênesis descreve, desde tempos antigos, e certamente até o fim do segundo milênio da era cristã. Muito antes da grande diáspora que seguiu os conflitos entre a Judeia e Roma, eles já haviam se estabelecido em muitas partes do Mediterrâneo e no Oriente Médio, enquanto mantinham sua religião e identidade social separadas. As primeiras ocorrências registradas de antissemitismo datam do século 3 d.C. em Alexandria. Mudanças históricas subsequentes não acabaram com o antissemitismo, mas apenas superpuseram camadas arqueológicas adicionais, como sempre. Ao antissemitismo da Antiguidade foi adicionada a camada cristã e, a seguir, desde a época do Iluminismo, a camada secularista, que culminou no antissemitismo soviético e nas atrocidades nazistas da primeira metade do século 20. Agora nós temos a camada árabe-muçulmana, datando, grosso modo, desde os anos 1920, mas se tornando mais intensa a cada década.

 

O que impressiona o historiador pesquisando o antissemitismo no mundo inteiro por mais de dois milênios é a sua irracionalidade. Parece não fazer o menor sentido, não mais do que a malária ou a meningite fazem sentido. Em toda a História, é difícil apontar uma única ocasião em que o antissemitismo foi provocado por uma ameaça judia real (em oposição a uma ameaça imaginária). No Japão, o antissemitismo foi e permanece comum, mesmo que jamais tenha havido ali uma comunidade judaica de qualquer tamanho.

Quando chamados a explicar porque odeiam os judeus, os antissemitas se contradizem. Judeus estão sempre se exibindo; eles são herméticos e secretos. Eles não se misturam; eles se misturam bem demais. Eles são muito religiosos; eles são muito materialistas, e uma ameaça à religião. Eles são incultos; eles são cultos demais. Eles evitam trabalhos manuais; eles trabalham duro. Eles são miseráveis; eles são gastadores que ostentam. Eles são capitalistas inveterados; eles nascem todos comunistas. E assim por diante. Em toda essa miríade de manifestações, a linguagem do antissemitismo ao longo das eras é um dicionário de non sequiturs e antônimos, um léxico de falta de lógica e inconsistência.

Como muitas doenças físicas, o antissemitismo é altamente contagioso, e pode se tornar endêmico em certas localidades e sociedades. Como uma doença da mente, ele não é, de modo algum, confinado às mentes fracas, medíocres e comuns. Como a história tristemente lembra, suas fileiras incluíram homens e mulheres de mentes poderosas e perspicazes. Como todas as doenças mentais, ele é prejudicial à razão e, algumas vezes, fatal.

Algum pensamento irracional é comum a cada um de nós, mas quando o antissemitismo é adicionado, o pensamento irracional não se torna apenas instintivo, mas sistêmico. Um antissemita experiente procura constantemente por “evidências” para confirmar sua idée fixe e, invariavelmente, a encontra – exatamente como o marxista, procurando por “provas”, sempre descobre eventos que confirmam seu diagnóstico de como o mundo funciona. (De modo não surpreendente, a teoria antissemita evoluiu de jovens hegelianos que ocuparam um papel preponderante na evolução dos métodos de análise de Marx.)

O antissemitismo é auto-infligido, o que significa que, por um ato da vontade e da razão, a infecção pode ser repelida. Mas não é fácil fazê-lo, especialmente em sociedades onde o antissemitismo tornou-se comum ou a norma. O que é claro em todos os casos é que o antissemitismo, apesar de ser auto-infligido, é também autodestrutivo, tanto em sociedades e governos como em indivíduos.

Uma instância importante dessa lei histórica é a expulsão dos judeus (junto com a dos mouros) da Espanha nos anos 1490, e a subsequente caça às bruxas dos cristãos novos, ou judeus convertidos, pela Inquisição – um processo que aconteceu precisamente no momento em que a penetração da Espanha do Novo Mundo abriu oportunidades inéditas para expansão econômica. O efeito do antissemitismo oficial foi privar a Espanha (e suas colônias) de uma classe já notável pela sua forma astuta de lidar com as finanças. Em consequência, o projeto de ampliação das minas de prata do Novo Mundo e a importação de grandes quantidades de prata para a Espanha, ao invés de levar a investimentos racionais em uma protorrevolução industrial ou à criação de serviços financeiros modernos, levou a um impacto profundamente deletério, mergulhando a até então vigorosa economia espanhola em inflação e um longo declínio, e o governo a  repetidas falências.

No curto prazo, os beneficiários do antissemitismo espanhol foram as áreas setentrionais (protestantes) da Holanda, onde um afluxo de refugiados judeus para as cidades de Amsterdã e Roterdã levou ao desenvolvimento acelerado dos setores mercantil e financeiro e ao estabelecimento de um tempo de supremacia global econômica holandesa. No longo prazo, os beneficiários foram a Inglaterra e os Estados Unidos da América. A Inglaterra cessou de praticar o antissemitismo institucional em meados do século 17, quando judeus, que tinham sido expulsos do país em 1290, tiveram permissão para voltar (e a praticarem sua religião) sem a necessidade de privilégios especiais. Esse padrão foi repetido nas colônias inglesas na América, tanto que a nova república se tornou, ab initio, uma área onde o antissemitismo nunca teve qualquer força legal.

Por volta do fim do século 18, a primeira Revolução Industrial foi um fato realizado pela Inglaterra, e no fim do século 19, os Estados Unidos emergiram como a principal potência industrial e financeira do mundo, até os dias atuais. Teóricos da eficiência econômica comparativa, como Max Weber e R. H. Tawney, costumavam apontar para o papel do protestantismo (especialmente o “pânico de salvação” calvinista) no desenvolvimento da supremacia industrial “anglo-saxônica”. A tendência atual é enfatizar o papel da imigração, com os judeus desempenhando um papel central.

 

Na evolução da Europa moderna nos séculos 19 e 20, o antissemitismo mais uma vez se provou autodestrutivo. A ocupação da Alsácia-Lorena pela Alemanha depois da Guerra Franco-Prussiana de 1870 levou a um êxodo expressivo de judeus locais para Paris e ao rápido crescimento do antissemitismo em um país que já há muito abrigava a doença. Uma das consequências foi o Caso Dreyfus – os Dreyfus eram uma família da Alsácia, que convulsionou a França por boa parte de duas décadas.

A guerra cultural que se seguiu enfraqueceu a França de várias maneiras, não apenas militarmente, e no início do século 20 ajudou a persuadir os alemães de que a França seria um alvo fácil, como de fato o foi em 1914. Um efeito duradouro do caso Dreyfus foi sentido no colapso da França e a capitulação aos nazistas em 1940, assim como no formato da subsequente França de Vichy.

Outro caso extraordinário foi a Rússia czarista. Sob Catarina II, os elementos iniciais do que se transformaria em um complexo sistema de leis antissemitas foi introduzido no fim do século 18, depois da divisão da Polônia, o que deu à Rússia uma marcante minoria judaica pela primeira vez. Desde então, proibições e restrições foram constantemente ampliadas e tornadas mais rígidas, e eram reforçadas pelo encorajamento oficial de pogroms “populares”. O resultado foi a migração em massa de judeus para o Ocidente, especialmente para a Grã-Bretanha e os Estados Unidos – de novo para o benefício econômico e cultural dos poderes anglo-saxônicos. Correspondentemente, a Rússia foi enfraquecida, não apenas por causa da perda de talentos, mas também pelo crescimento imenso na corrupção administrativa produzida pelo sistema de restrições.

O país foi prejudicado de outra maneira também. A imposição legal do antissemitismo russo foi um modelo para o subsequente sistema soviético de controle interno, o que pode ser entendido como uma extensão a toda a população de leis que antes oprimiam apenas os judeus. Os efeitos posteriores, inclusive a corrupção desenfreada, ainda podem ser sentidos em todos os níveis da sociedade russa contemporânea.

Mas a vítima mais notável do antissemitismo foi a Alemanha governada por Hitler. Entre os historiadores, ainda é considerado moralmente essencial demonizar Hitler e condenar sem reservas tudo o que os nazistas fizeram. Mas há razões convincentes, um tanto distantes dos interesses da intelectualidade objetiva, pelas quais isso deveria acabar. Hitler não foi um demônio, mas um ser humano, assim como Átila e Barbarossa, Lutero e Wallenstein, Frederico, o Grande, e Bismarck.

Ainda que oriundo de uma família humilde e de uma educação pobre, Hitler tinha uma inteligência feroz, uma forte imaginação artística, e muitos poderes de articulação. Sua carreira como soldado na Primeira Guerra Mundial testifica de sua coragem, e tudo o que ele causou depois mostra uma força de vontade rara em qualquer tempo. A isso se adicionam poderes de organização formidáveis, a capacidade de inspirar lealdade, clareza estratégica balanceada por flexibilidade tática e uma excelente oratória, temperada com um talento valioso de fazer as pessoas rirem. Sua criação, praticamente do nada, de um partido político nacional de massas, que ele dirigiu à vitória eleitoral naquele que era, talvez, o país mais bem educado do mundo, tudo em menos de uma década, tem poucos paralelos na história da política.

Tudo isso dá testemunho das habilidades de Hitler. Quanto aos seus defeitos criminosos e suas deformações, estamos bem cientes delas: sua malícia inveterada e brutalidade, seu chauvinismo radical, sua luxúria aparentemente insaciável pela conquista e dominação. E, acima de tudo, seu antissemitismo, o qual, enquanto cobrou seu pedágio de milhões de vidas inocentes, no final provou-se fatal para suas próprias ambições de conquista mundial.

Não está claro nos registros históricos exatamente como, por que e quando Hitler se tornou um estridente antissemita. O que é claro é que no início dos anos 1920, ele já era um violento detestador de judeus. À medida que o tempo passou, seu antissemitismo cresceu a ponto de tomar conta de todo o seu intelecto e tornou-se o fator dominante de suas estratégias e decisões.

É comumente assumido que o antissemitismo de Hitler ajudou a pavimentar seu caminho para o poder. Eu nunca vi nenhuma tentativa convincente de provar isso com argumentos estatísticos e detalhados. Na Áustria e em partes do sul da Alemanha, o antissemitismo era, de fato, generalizado. Mas no centro e no norte da Alemanha, os judeus eram bem recebidos e realizavam serviços óbvios; lá, o antissemitismo precisou ser incitado. Minha própria crença, considerando a Alemanha como um todo, é a de que o antissemitismo de Hitler, junto com os conflitos de rua que ele provocou, foi mais um obstáculo para a vitória eleitoral. Ele repelia mais eleitores do que atraía, e desviava a atenção das quatro políticas que, indiscutivelmente, o colocaram em uma posição para ganhar muitos votos: sua oposição absoluta ao Tratado de Versalhes; sua chamada radical por um fim do sistema econômico de Weimar, que tinha promovido hiperinflação e despojou a classe média de sua poupança; suas propostas igualmente radicais de acabar com o desemprego em massa e; não menos importante, sua veemente hostilidade ao comunismo, que muitos alemães odiavam e temiam.

Se Hitler alcançou o poder não por causa de, mas apesar do seu antissemitismo, uma vez que ele estava no poder, sua obsessão incessante pelos judeus corroeu seu julgamento a todo instante. Sua violência crescente aos judeus também alienou outras nações, cujas populações poderiam, talvez, ter sido ganhas por ao menos algumas de suas agressivas demandas em política externa. O antissemitismo era tão central em sua visão de mundo que a repugnância dos outros apenas confirmava, para ele, da existência de uma conspiração judia, contra a qual ele alertou por vários anos. Essa mesma conspiração, ele ameaçava, seria culpada por qualquer guerra que estourasse, e essa guerra proveria tanto a ocasião como a justificativa final para implementar sua “solução final” para o “problema judeu”.

Portanto, o antissemitismo levou Hitler a lutar uma guerra desnecessária contra a Grã-Bretanha e a França e, então, uma vez atingida uma efetiva predominância militar na Europa continental, a estender a guerra de uma maneira que era impossível ser vencida. Ele invadiu a União Soviética, sua complacente e quieta aliada anterior, levando a Alemanha a uma guerra em duas frentes – precisamente a configuração que ele uma vez argumentou ter sido fatal para as chances alemãs na Primeira Guerra Mundial. Então, quando o Japão atacou os Estados Unidos em dezembro de 1941, ele tomou a decisão completamente irracional de declarar guerra aos EUA. Essas duas ações de loucura levam as marcas de um colapso de julgamento trazido pela doença intelectual do antissemitismo. A primeira ação buscava levar a “solução final” para o leste e a segunda veio de uma noção lunática de que os governantes dos Estados Unidos eram um componente chave de uma conspiração judaica mundial. No começo de 1941, Hitler estava em uma posição de enorme poder global; no fim do ano, a eventual derrota de seu país e sua própria aniquilação eram certas.

 

Como exemplo da força autodestrutiva do antissemitismo, o caso de Hitler e da Alemanha nazista encontra paralelo somente no que aconteceu aos países árabes ao longo do último século.

O ano de 1917 viu tanto a emissão da Declaração Balfour, em Londres, autorizando a criação de um “lar nacional” judeu na Palestina, como a ocupação militar britânica de Jerusalém, seguida imediatamente por um mandato internacional para governar o país. Na Declaração Balfour, a Grã-Bretanha prometeu usar “seus melhores esforços” para avançar o projeto do lar nacional, mas “sem prejuízo aos direitos dos habitantes existentes.” Nesse estágio, muitos entre os próprios sionistas não necessariamente vislumbravam um Estado judeu soberano emergindo na Palestina. Assim, Chaim Weizmann, o primeiro a se mudar após a Declaração, imaginou que os imigrantes judeus, cujas fileiras incluíam um número crescente de cientistas e especialistas em agricultura, bem como muitos empresários, iriam desempenhar um papel chave em habilitar os árabes do Oriente Médio a fazer um uso mais efetivo de sua recente e crescente riqueza em petróleo.

Tivesse a cooperação árabe-judaica sido possível desde o início, e se o dinheiro do petróleo tivesse sido criativamente investido em educação, tecnologia, indústria e serviços sociais, o Oriente Médio seria agora, de longe, o lugar mais rico da face da Terra. Esta tem sido uma das maiores oportunidades perdidas da História, comparável, em uma escala muito maior, à má gestão espanhola das minas de prata do século 16. O antissemitismo, ajudado por uma ingênua falsificação, foi essencial para o desastre.

Nos anos 1890, a polícia secreta czarista, ansiosa para “provar” a realidade da ameaça judaica à Rússia, pediu a seu agente em Paris (então, junto com Viena, o centro mundial do antissemitismo) a prover provas corroborantes. Ele pegou um panfleto escrito por Maurice Joly em 1864 que acusou Napoleão III de ambições para dominar o mundo; reescreveu-o, substituindo os judeus por Napoleão e incrementando o texto com detalhes antissemitas tradicionais, e o intitulou Os Protocolos dos Sábios de Sião. Ele ressurgiu na Rússia depois do golpe bolchevique de 1917, que os seus oponentes da Rússia Branca acreditavam generalizadamente que tinha sido liderado por judeus, e assim o panfleto fez seu caminho até o Oriente Médio. Quando Weizmann chegou a Jerusalém em 1918, ele recebeu uma cópia datilografada do comandante inglês, General Sir Wyndham Deedes, que dizia: “Você precisa ler tudo isso com cuidado. Vai te causar uma grande série de problemas no futuro.”

Em 1921, depois de uma investigação completa, o London Times publicou uma série de artigos expondo as origens do panfleto e demonstrando além de qualquer dúvida que se tratava de uma invenção. Mas o estrago para o qual Deedes advertiu já havia sido feito àquela época. Entre aqueles que leram e acreditaram na falsificação estava Adolf Hitler. Outro foi Muhammad Amin al-Husseini, herdeiro da família proprietária da maior quantidade de terras da Palestina. Al-Husseini já estava cheio de ódio pelos judeus, quando o Protocolo deu a ele um propósito de vida: expulsar todos os judeus da Palestina para sempre. Ele tinha olhos azuis inocentes e um modo de ser quieto, quase envergonhado, mas foi um dedicado assassino que devotou sua vida inteira ao assassinato de uma raça. Em 1920 ele foi sentenciado pela Grã-Bretanha a dez anos de trabalhos forçados por provocar sangrentos protestos anti-judeus. Mas, no ano seguinte, em uma reversão de política para a qual eu nunca encontrei uma explicação satisfatória, a Grã-Bretanha apontou um supremo conselho religioso muçulmano na Palestina e, com efeito, fez de al-Husseini seu diretor.

O mufti, como ele foi chamado, em consequência criou o antissemitismo árabe em sua forma moderna. Ele apontou um líder terrorista, Emile Ghori, para matar assentados judeus em qualquer lugar possível, e também árabes que trabalhavam com judeus. Os últimos foram, de longe, o maior número das vítimas do mufti. Este padrão de assassinar árabes moderados continuou desde então, e não apenas entre palestinos; nós o vemos no Iraque hoje.

Quando Hitler assumiu o poder em 1933, o mufti rapidamente estabeleceu ligações com o regime nazista e depois percorreu a Europa sob seus auspícios. Ele naturalmente gravitou ao redor de Heinrich Himmler, o oficial encarregado do genocídio nazista, que partilhava com ele seu extremo e violento antissemitismo; uma foto mostra os dois homens sorrindo docemente um para o outro. Dos nazistas o mufti aprendeu muito sobre assassinato em massa e terrorismo. Mas ele também bebeu da história do extremismo islâmico: foi ele quem primeiro recrutou fanáticos wahabitas da Arábia Saudita e os transformou em matadores de judeus – uma tradição que continua até hoje.

Ao longo do último meio século, o antissemitismo tem sido a ideologia essencial do mundo árabe; seu objetivo prático tem sido a destruição de Israel e o extermínio de seus habitantes. E essa gigantesca e funesta força, mais uma vez, teve sua consequência costumeira. Assim como Hitler terminou a sua vida em um suicídio, tendo falhado em sua missão de destruir o povo judeu, 100 milhões ou mais árabes, marchando sobre a bandeira do antissemitismo, falharam completamente, apesar de quatro guerras totais e ondas de terrorismo e intifadas incontáveis para extinguir o minúsculo Israel.

Enquanto isso, ao permitir que sua obsessão doentia domine suas aspirações, os árabes desperdiçaram trilhões de royalties do petróleo em armas de guerra e propaganda – e, na margem, em luxos extravagantes para uma minúscula minoria. Em seu abandono da razão, eles falharam em modernizar ou civilizar suas sociedades, introduzir a democracia ou consolidar o império da lei. Apesar de todas essas vantagens, eles agora estão sendo decisivamente superados pelos indianos e chineses, que têm poucos recursos naturais, mas são inspirados pela razão, não pelo ódio.

Ainda assim os árabes alimentam a devastação da doença, absorvendo e espalhando seu veneno. Além de manter vivo o próprio Protocolo, agora publicado em dezenas de milhões de cópias nas maiores capitais árabes, eles embelezaram suas fantasias lúgubres com suas próprias mitologias domésticas de iniquidade judaica. Recentemente, o Protocolo foi transformado em uma série de 41 capítulos, filmada no Cairo e disseminada pelo mundo muçulmano. A Turquia, antes um bastião da moderação, com uma economia triunfante, é agora um palco do antissemitismo, onde o ódio a Israel nutre variedades do extremismo islâmico. Em um tempo em que, finalmente, há uma esperança real de democracia criando raízes no mundo árabe e muçulmano, a paralisia continua e, na verdade, está se espalhando.

 

Também na Europa o antissemitismo retornou depois de, supostamente, ser banido para sempre em fins dos anos 1940. Alimentada pelas marcantes e crescentes minorias islâmicas, cujas mesquitas e websites propagam o ódio aos judeus, ele também tem sido nutrido por elementos nativos, tanto intelectuais como políticos. Ele tem até penetrado grandes partidos ansiosos em atrair votos muçulmanos – o Partido Trabalhista, na Inglaterra, é um exemplo perturbador.

Não menos preocupante, em minha opinião, é um fenômeno europeu relacionado – notadamente, o antiamericanismo. Eu digo “relacionado” porque o antissemitismo e o antiamericanismo andam de mãos dadas na Europa atual, como eles uma vez andaram na mente de Hitler (como a não publicada segunda metade do Mein Kampf decisivamente mostra). Como o ódio aos judeus, o ódio aos americanos pode similarmente ser descrito como uma forma de racismo ou xenofobia, especialmente em suas manifestações mais vulgares. Mas entre acadêmicos e intelectuais, onde ele é prevalente e crescente, ele tem mais as marcas típicas de uma doença mental, se tornando mais virulenta, mais espalhada e mais intratável desde quando os Estados Unidos começaram a assumir os deveres da guerra contra o terrorismo internacional.

Afinal, odiar os americanos é contra a razão. Por séculos, e ainda mais agora, no presente, os Estados Unidos têm abrigado os pobres e os perseguidos do mundo inteiro, que encontraram liberdade e prosperidade em seu solo. Os EUA continuaram a receber mais imigrantes do que qualquer outro país. As levas mais recentes incluindo cubanos, coreanos, vietnamitas e libaneses, se tornaram um dos grupos mais ricos do país e são apoiadores entusiasmados de suas normas democráticas. De fato, uma vez que a sociedade americana é agora um vibrante microcosmo da raça humana, eu diria que odiar os americanos é odiar a humanidade como um todo.

Que o antiamericanismo compartilha muitas características estruturais com o antissemitismo está suficientemente claro. Na França, como podemos ler em um novo estudo, intelectuais reuniram razões tão contraditórias para atacar os EUA como para atacar os judeus.[2] Americanos são excessivamente religiosos; eles são excessivamente materialistas. Eles são avarentos vulgares; eles são gastadores vulgares. Eles odeiam cultura; eles estão pressionando para promover sua própria cultura. Eles são agressivos e descuidados; eles são covardes. Eles são estúpidos; eles são excepcionalmente sagazes. Eles são sem educação; eles subordinam tudo em suas vidas ao objetivo de mandar seus filhos para universidades. Eles construíram megalópoles sem alma; eles são imbecis rurais. Assim como com o antissemitismo, essa litania de reclamações contraditórias é recheada com caricaturas demoníacas de indivíduos particulares, como George W. Bush. Assim como os cristãos do século 14 consideraram os judeus como responsáveis pela Peste Negra, os americanos são culpados por todos os males do mundo atual, começando com o (real ou imaginário) aquecimento global. Particularmente entre intelectuais franceses, tal demonização se tornou quase uma cultura, um modo de vida em si mesmo.

Especialmente perturbadora é a difusão do culto na Alemanha. Lá, nos anos 1920, o antissemitismo era um traço da desmoralização social produzida pela derrota na Primeira Guerra Mundial. A Alemanha agora está se tornando desmoralizada novamente por uma variedade de razões: espantosas taxas de desemprego; queda na qualidade de vida em comparação com os EUA, a Grã-Bretanha e outras nações desenvolvidas; redução da população, criando ansiedade sobre o futuro da força de trabalho e a segurança do sistema previdenciário; e a inabilidade dos líderes do país em resolverem qualquer desses problemas.

No período pós-Segunda Guerra, ironicamente, a Alemanha prosperou grandemente ao olhar para os EUA em busca de inspiração empresarial, bem como de liderança política e militar. Pelo último quarto de século, a Alemanha tem caído cada vez mais no feitiço da França e na fantasia francesa de um superestado europeu que vai rivalizar com os EUA. Precisamente durante esse período de hegemonia francesa, a Alemanha entrou em um declínio econômico acelerado, já relativo e, brevemente, absoluto.

Não faz qualquer sentido a Alemanha agora se voltar contra os EUA como a fonte de todos os seus ais. Mas um país nas garras de uma doença mental não pode se comportar racionalmente. Apesar de todos os seus esforços, a Alemanha, a meu ver, não aprendeu as lições fundamentais de seu passado nazista, a saber, fugir da praga da irracionalidade. Olhando para a Europa como um todo, e para o contínuo mal do Oriente Médio, eu suspeito que estamos nos aproximando de uma nova crise de patologia das nações. Uma vez mais, os EUA são o único médico com poder e habilidade para prover uma cura, e nós podemos apenas orar para que já não seja tarde demais para o paciente ser reanimado.

[1] Isto foi vividamente trazido à luz em um estudo recente, Race: The Reality of Human Differences, por Vincent Sarich e Frank Miele (Westview, 320 pp). O livro foi resenhado com desdém no Times Literary Supplement de Londres (25 de fevereiro de 2005), por Jerry Coyne, um professor no departamento de ecologia e evolução na Universidade de Chicago.

[2] The American Enemy: the History of French Anti-Americanism by Philipe Roger, University of Chicago Press, 536 pp.

 

Paul Johnson é o autor de Modern Times, A History of Christianity e A History of Jews, entre muitos outros livros.

Tradução de Helder Nozima.

Texto original.

 

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