Há algumas semanas eu estava dando aula para crianças de 7 a 11 anos de idade, no culto infantil à noite da minha igreja. Para introduzir a lição da aula, perguntei aos meninos o que nos fazia diferentes das outras pessoas? Qual é a diferença entre nós cristãos e os não crentes?
Logo começou a chuva de respostas: “Ah, tio, é porque nós vamos à igreja todos os domingos”; “a gente lê a bíblia”; “nós oramos”. Todas as respostas giravam em torno basicamente de “eu faço isso” ou “eu não faço aquilo”.
Como alguém que nasceu em um lar cristão, eu rapidamente me identifiquei com aqueles meninos e meninas. Desde pequeno, fui acostumado a ir à igreja todo domingo, ler a Bíblia, orar, estar na escola dominical, participar de acampamento, cantar no coral infantil etc. Assim, minha infância e adolescência foram conduzidas por práticas e hábitos que – na minha cabeça – diziam que fazer isso era ser crente. Então, pela lógica, se eu fazia, eu era crente.
Não há dúvida de que as práticas são essenciais no processo de educação dos pequenos. Salomão, no livro de Provérbios, diz: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Pv 22.6). Na língua hebraica, a palavra ensinar aqui também carrega o sentido de treinar, de conduzir as crianças em hábitos que as orientem no caminho. É possível observar esse treinamento na educação dada pelos pais hebreus, que – por exemplo – estimulavam o hábito de memorizar porções das Escrituras, desde quando a criança aprendia a falar.
Especialistas de áreas como Psicologia, Neurociência e Pedagogia vão ao encontro do pensamento de que os hábitos nos moldam e, ao fazer isso, revelam o nosso molde, a nossa forma, a nossa identidade. Então, sim, meus pequenos alunos daquele domingo estão certos. Ir à igreja, ler a Bíblia, orar, fazer um jogral no culto do dia das mães, tudo isso faz parte da nossa identidade como cristãos.
“Mas por que você vai à igreja? Por que você ora? Por que você lê a Bíblia?”. Fiz essas perguntas àqueles meninos. Quis instigá-los a irem além dos costumes ensinados, a cavarem mais fundo rumo à raiz de toda prática que – segundo eles – era o que os identificava como cristãos.
Silêncio. Antes, eles estavam disputando para falar; agora, todos estavam olhando para mim com aquela cara de paisagem, sem entender muito onde eu queria chegar com aquelas perguntas.
Sem perceber, eu estava ali ecoando uma pergunta escrita em Deuteronômio 6.20: “Quando teu filho, no futuro, te perguntar, dizendo: Que significam os testemunhos, e estatutos, e juízos que o Senhor, nosso Deus, vos ordenou?”. Essa indagação se insere no mesmo capítulo em que Moisés ordena aos pais que inculquem as palavras da Lei aos seus filhos, ensinando-as sentado em casa, ao andar pelo caminho, ao se deitar, ao se levantar (Dt 6.6-7); basicamente, em todo tempo.
O que têm em comum as minhas perguntas naquele domingo à noite e a pergunta de Deuteronômio 6.20? Ambas vão ao “x” da questão do porquê fazemos o que fazemos; em que nossas práticas cristãs estão alicerçadas?
Ali voltei a lição da aula e comecei a contar a história de um jovem rico que fez a seguinte pergunta a Jesus Cristo: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Mc 10.17). A pergunta evidencia que aquele jovem enxerga a espiritualidade sob a ótica do FAZER e GANHAR. Para ele, a vida eterna é algo que se conquista pelos méritos, pelas práticas boas que realizamos. Nessa visão, ser crente é fazer as coisas certinhas e receber um prêmio por isso.
Tal compreensão se torna ainda mais latente quando, após Jesus elencar alguns mandamentos como “Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não defraudarás ninguém, honra a teu pai e tua mãe” (Mc 10.19), o jovem prontamente retruca dizendo “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude”. Desde pequeno, aquele homem aprendeu e obedeceu aos mandamentos ensinados pela Lei. Em sua resposta, ele afirma categoricamente fazer tudo certo, mas – para ele – parece que ainda falta alguma coisa a ser feita. Na versão do evangelista Mateus, o jovem volta a indagar: “que me falta ainda?” (Mt 19.20).
Nesse ponto, cabe a transcrição completa da cena, da fala de Jesus e da reação do jovem: “E Jesus, fitando-o, o amou e disse: Só uma coisa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; então, vem e segue-me. Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste, porque era dono de muitas propriedades” (Mc 10.21-22).
Puxa, nesses dois versículos, há tanto a se falar, mas vou direto pro final da cena, a reação do jovem. O rosto daquele homem ganha uma aparência triste, provavelmente chocado com a resposta do Mestre. Fico me imaginando na pele dele: “Como assim vender o que eu tenho? Não faço eu tudo certo desde criança e agora ele quer que eu venda tudo?”.
A reação do jovem revelou o verdadeiro dono do seu coração: as suas riquezas. Sua fé não tinha raízes; era superficial, baseada apenas em atos religiosos. Quando colocado contra a parede em uma decisão de seguir a Cristo ou seguir seus bens, optou pelo segundo caminho.
Ao contar o desfecho da história, voltei à pergunta inicial com os meus alunos: “o que nos fazia diferentes das outras pessoas? Qual é a diferença entre nós cristãos e os não crentes?”. Nesse momento, olhei com carinho para eles e disse que o amor a Deus – acima de todas as coisas – é a nossa diferença. Continuei: “os seus colegas irão também a um mesmo lugar – natação, curso de idiomas, etc. – uma vez por semana, assim como vocês vão à igreja; jogarão o lixo quando a mãe pede, assim como vocês; também lerão livros tão grandes como a Bíblia ou até lerão a própria Bíblia, assim como vocês; contudo, o que nos diferencia é que fazemos tudo isso por amor a Deus”.
Mais uma vez, estava ali estabelecendo uma conexão com Deuteronômio 6, agora o versículo 5, o qual resume a razão de tudo o que fazemos: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”.
Nas próprias palavras de Jesus, “aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (João 14.21). Na raiz de toda prática, de todo mandamento, de toda regra, precisa estar o amor a Deus, que está acima de tudo e que se desdobra em ações concretas no nosso dia a dia. Sem essa raiz, temos apenas uma carapuça de cristãos e não uma identidade verdadeira em Cristo.
Adalberto Nunes, manauara de nascimento, mas brasiliense de criação, é servidor público na área cultural e um apaixonado pelas letras. Seminarista presbiteriano, tem se dedicado ao ensino da Palavra, sempre em busca de um bom diálogo com a cultura. Casado com Stephanie Nunes, é pai de Cecília, Lívia e José.