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Da janela da minha sala de jantar eu vejo um canteiro. A senhora que morava em nossa casa antes de nós o construiu e, eu imagino, fez ele florescer ano após ano, primavera após primavera. Há quase dois anos meu marido e eu moramos aqui, e desde que chegamos o pobre canteiro não recebeu cuidado. Agora mesmo, quando olho para ele, tudo que vejo é terra e alguns pauzinhos secos caídos. Quando o verão chega mais forte, lá para junho aqui onde moro, algumas ervas até crescem, algumas que parecem flores, e pequenos pontos coloridos tentam embelezar o espaço claramente abandonado. Mas ele continua feio, descuidado, mato subindo livremente.

Ignoremos por um minuto o fato de que eu preciso cuidar melhor da casa que Deus me deu e pensemos em uma analogia simples. Nós vemos na Bíblia as pessoas como seres que compartilham tanto igualdade quanto diferença. Somos iguais em imago dei, ou seja, em sermos criados todos à imagem de Deus; e somos iguais em valor perante ele. Aqueles que estão em Cristo são também iguais em termos de salvação — ninguém é “mais salvo” que o outro. Entretanto, temos muitas diferenças — de cor, de estilo, de personalidade, de gênero, de missão, de papel etc. Então, penso que não é loucura usarmos as flores para compará-las a nós, humanos. Elas também compartilham igualdade — em essência, são todas flores que precisam do Sol, de solo e água — e diferenças — algumas são enormes, outras pequenas, algumas coloridas, outras de uma cor só, algumas precisam demais e outras de menos atenção etc.

Assim também nós, seres humanos, somos iguais, mas diferentes. E, para fazer um recorte maior nessa conversa, nós mulheres. Por muitos anos eu fui ensinada, via diversas fontes, que ser mulher tinha um molde específico e limitado. Eu fui criada para casar, eles diziam, e reproduzir. Somente ao fazer isso seria completamente mulher. E ao ler essa frase, deixa eu pontuar, você provavelmente terá uma de duas reações — se foi ensinada como eu, provavelmente vai pensar “sim, é isso”. Se foi ensinada por fontes mais feministas, provavelmente vai pensar “céus, que absurdo”. Eu creio que ambas posições são exageradas. Não, casar e ter filhos não define minha feminilidade e não sou feminista por pensar isso. Mas não, também não penso que casar e ter filhos seja uma prisão à minha livre feminilidade (mesmo porque é exatamente isso que acabei fazendo), e não sou capacho do meu marido por pensar assim.

Onde está, então, o equilíbrio? No evangelho.

O casamento foi instituído por Deus (Gn. 2.24) e os filhos são herança vinda diretamente do Senhor (Sl. 127.3). Entretanto, isso não significa que todos serão chamados a isso. O apóstolo Paulo faz um defesa da solteirice, chegando ao ponto de desejá-la a seus irmãos (1Co 7). O mínimo que, penso eu, podemos concluir dessa passagem é que a solteirice não é um fardo ou um problema (muito menos um pecado). Nessa mesma lógica, o mesmo se aplicaria a ter filhos — não é um problema não os ter se não é algo para o qual você foi chamada.

Deixa eu repetir: casamento e filhos são bênçãos dadas por Deus; entretanto, nós não fomos criadas para casar e procriar, fomos criadas para glorificar a Deus.

“Ué, Francine, mas e isso não implica casar?” Não. E a gente vê isso, por exemplo, como eu já disse, no discurso de Paulo. Casamento e filhos glorificam a Deus? Absolutamente. Mas a solteirice também? Se Deus chamou você para isso, absolutamente. Aliás, se Deus chamou você à solteirice e as pessoas permanecem mandando que case, isso seria o oposto de glorificar a Deus da parte delas. É uma questão de identidade — quem nós somos e quem devemos ser? Nós não somos “máquinas de fazer filhos”, somos humanas à imagem de Deus e, em Cristo, filhas de Deus. Nossa identidade está somente, somente, em Cristo e no que ele já fez por nós, e não em qualquer coisa feita por nós mesmas (incluindo casamento e filhos).

Esse é o evangelho, as boas novas. Nós já somos aceitas por Deus por causa de Cristo somente. Quando dizemos às nossas irmãs que elas só serão completas (ou aceitas) quando casarem e procriarem, estamos no mínimo distorcendo o evangelho, e, na pior das hipóteses, criando heresias (se bem que distorcer o evangelho é criar heresia…). Estamos dizendo que elas precisam de outros humanos (marido e filhos) para serem o que Deus as criou para serem, e não que elas precisam somente de Jesus. Veja como isso é importante e terrível!

Voltemos à nossa comparação do canteiro. Penso que muitas de nossas igrejas estão como meu pobre canteiro — feio, descuidado, com apenas uma ou outra flor crescendo. Isso porque descuidamos dele, impedimos que todas as flores cresçam saudáveis porque estamos podando os girassóis, dizendo, “enquanto vocês não forem cravos, não serão bem-vindos neste canteiro”. E eu espero que esteja claro aqui que eu não estou defendendo o outro extremo. Se as irmãs solteiras quiserem impor sobre as que têm desejo de casar que elas não podem fazê-lo, então teremos girassóis obrigando cravos a serem girassóis. O ponto é: tanto girassóis quanto cravos foram criados para glorificar a Deus exatamente onde estão, de acordo com o chamado que têm.

Talvez aqui esteja a falha da minha comparação — girassóis são girassóis em essência, e solteiras não são solteiras em essência. E meu ponto é esse justamente. Sua essência em Cristo é ser filha de Deus que o glorifica. O casamento (ou a solteirice) é parte disso, mas não é o que faz com que você glorifique a Deus.

Creio que eu possa concluir assim: Mulheres, sejam quem Deus as chamou para serem, filhas dele, servas dele, seguidoras dele. Somente isso é sua verdadeira identidade. O resto são papéis que você pode ou não ter — esposa, mãe, solteira, viúva, professora, advogada, dona de casa, médica etc. Não deixe que o mundo te diga que você precisa ser nada além de filha amada e redimida de Deus. É simples assim. Não complique. Viva para a glória de Deus e benefício do seu próximo, e assim o fazendo, estará sendo uma mulher segundo o coração de Deus. Paremos de excluir nossas irmãs que não se encaixam no padrão que nós mesmas criamos para a feminilidade, sufocando-as até que elas não mais floresçam. Deus nos ajude.

Francine V. Walsh é escritora e líder do Graça em Flor (www.gracaemflor.com). Serve no ministério infantil e como líder de pequenos grupos e iniciativas femininas em sua igreja local. Escreveu os e-books de publicação independente “21 dias com minha amiga Elisabeth” e “VOCÊ no Ministério Infantil” e elaborou o estudo online “Florescendo Juntas – Como criar e manter relacionamentos intencionais”. É autora de um capítulo do livro Fonte para a vida: esboços de uma fé contemporânea. Mora no estado de Minnesota, nos EUA, com seu marido, Beau, e sua filha, Vesper.

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