Nós brasileiros, temos sido ensinados ao longo das últimas décadas, a olhar nosso trabalho por duas grandes perspectivas: a financeira e a hedonista. Geralmente, pensamos a escolha da carreira profissional sobre bases bastante pragmáticas, ou seja, o que acaba sempre tendo maior preponderância é o dinheiro que vamos ganhar ou o prazer que vamos sentir ao desenvolvermos esta ou aquela atividade.
Mas há algo de grande valor do qual, predominantemente, prescindimos em nossas escolhas. Há algo anterior ao dinheiro e ao prazer que deveria balizar nossas opções, a fim de que trilhássemos caminhos de vida coerentes e equilibrados com aquilo que verdadeiramente somos, e não que vivêssemos escravizados a ídolos perversos como o materialismo, o dinheirismo, o hedonismo e tantos outros. O que tem nos faltado, então, é um senso apurado do que é vocação.
Disfunções de um protestantismo sem lastro
Curiosamente, o Brasil é hoje uma das 10 maiores nações protestantes do mundo em números totais, são cerca de 43 milhões de brasileiros que se identificam como cristãos protestantes. Todavia, ainda que tão representativos numericamente, nós, protestantes brasileiros, somos parte da realidade de uma das nações mais corruptas, subdesenvolvidas, mal-educadas e desiguais em todo planeta.
Isso, necessariamente, faz pulular nas mentes protestantes mais inquietas uma pergunta: por que nossa fé, tão influente historicamente em inúmeros países que colhem frutos disso até hoje, não tem efeitos positivos e transformadores visíveis nestas realidades tão sombrias do nosso país? Por que somos tantos, em tantos lugares, e ao mesmo tempo nossa nação continua mergulhada neste lamaçal de ignorância e privações das mais variadas e destrutivas, sem a mínima perspectiva de mudanças verdadeiramente significativas?
Respondo-lhes com raro senso de certeza absoluta: falta-nos o ensino da teologia da vocação, feito de forma bem estruturada e constante, tanto dentro de nossos lares, como dentro de nossas igrejas!
Foi o professor brasileiro Olavo de Carvalho – católico romano até a medula – que numa de suas infinitas concatenações, chamava a atenção dos protestantes brasileiros a que deixassem de ser preguiçosos e ignorantes, e se dessem, no mínimo, ao trabalho de conhecer a teologia da vocação ensinada por Lutero, algo que certamente poderia auxiliar a população brasileira em seu desenvolvimento em múltiplos sentidos.
Assertivas como estas, advindas de pessoas de fora do nosso arraial evangélico, deveriam no mínimo nos fazer corar de vergonha, pois desvendam a triste realidade de que temos em mãos a teologia da vocação mais linda e eficaz da história, mas que, infelizmente, não é valorizada, tampouco conhecida, e muito menos ensinada à esmagadora maioria dos cristãos evangélicos brasileiros. Isto precisa mudar!
Um chamado para toda a vida
Vocação vem do latim ‘vocare’, que significa chamar. Para o cristão, este chamado vem de ninguém mais, ninguém menos, do que do próprio Deus, que o capacita e o comissiona a alguma missão específica no mundo. Esta capacitação geralmente é um dom, um talento, uma facilidade, uma habilidade, uma sensibilidade, um incômodo, uma revolta, uma inconformidade com algo, ou uma combinação de vários destes aspectos, que o estimulará a trabalhar, labutar e entregar, se preciso for, a própria vida àquela determinada causa.
Vocação diz respeito a algo muito mais profundo e significativo do que a mera busca passageira por sensações, dinheiro e prazer, antes, a ideia de vocação dialoga com a ideia de sentido da vida. Aquela razão última pela qual você existe, aquela missão única que foi entregue a você e a mais ninguém, que lhe desperta um senso de responsabilidade tamanho, como que o de prestar um fundamental trabalho ao próprio Deus.
Quem descobre seu chamado de vida, supera os momentos em que o cumprimento deste chamado não está rendendo tanto dinheiro assim, ou não está trazendo tantos momentos prazerosos como esperado. Essa superação ocorre, pois o vocacionado conhece quem o vocacionou e sabe que sua missão última está longe de idolatrar dinheiro e prazeres como deuses usurpadores, mas em glorificar, obedecer e adorar o Único que deve ser glorificado, obedecido e adorado.
O chamado é para todos
Todavia, não devemos confundir ou restringir a vocação à atividades megalomaníacas, grandiosas, estruturais, ou com alta visibilidade. Nada mais distante da vocação cristã do que isso. Existem os chamados às missões com estes perfis? Claro. Mas não são todos, e nem são a maioria.
A beleza da teologia da vocação desenvolvida a partir da Reforma, é o resgate do valor que Deus confere à todas as atividades da vida, desde as mais suntuosas até as aparentemente mais desimportantes e simples. Não existe mais aquela ideia dividida de mundo, onde determinadas atividades e lugares – como cultos e ritos religiosos, templos ou mosteiros – são mais importantes para Deus. A ideia dos reformadores é de que para o cristão não existe mais vida secular. Ou a vida pertence totalmente a Deus, ou Deus de fato não é Senhor sobre toda a vida.
Deus é Senhor e dono de todas as coisas, e como tal, se interessa de forma absoluta tanto com o que acontece nas altas cortes governamentais das nações e nas altas cúpulas das lideranças eclesiásticas que pastoreiam Seu povo, como com o trabalho que um gari está desenvolvendo no quarteirão que está sob sua responsabilidade. Diante de Deus, todos os ofícios possuem valor, importância e beleza intrínsecos, e tanto o político, o ministro ou o gari prestarão contas do trabalho que fizerem, pois, em última instância, estão prestando um serviço primeiro a Deus, depois aos homens.
Este senso de vocação, certamente transformaria sensivelmente a forma das pessoas pensarem a escolha de uma profissão. Apenas como exercício hipotético, imaginem só uma nação inteira operando nestas bases, ou então, apenas os mais de 40 milhões de cristãos protestantes vivendo fielmente a partir destes princípios. Ou seja, que cada um de nós está cumprindo uma missão designada pelo próprio Deus, que deve ser encarada com alegria e esperança, na certeza de que somos privilegiados cooperadores dEle na construção de uma nova realidade, que aponta para a consumação de Seu Reino entre nós. Isto, inequívoca e naturalmente, faria com que nos tornássemos um país menos corrupto, menos desigual, mais bem educado, mais organizado, mais seguro, mais justo e até mesmo, mais rico.
É tempo de pensarmos nossa vocação em oração diante do Senhor. Se, porventura, você ainda não tem certeza, ou sequer, ideia do que foi chamado por Deus para fazer, precisa voltar sua atenção seriamente para isso. Precisa olhar seriamente para si mesmo e buscar identificar quais são seus dons e habilidades, perceber onde você sente-se útil, o que te comove, te indigna, te inspira, te impulsiona, enfim, precisamos tomar alguma atitude na direção de iluminarmos este caminho.
Todavia, ainda que você não tenha certeza absoluta de seu chamado vocacional, não se desespere. Mantenha-se em oração e sensível à realidade ao seu redor, e lembre-se de que certo ou não de sua vocação, é nosso dever honrar a Deus onde Ele nos plantou, aqui e agora. Não temos de esperar uma certeza vocacional inquestionável para, então, encararmos a vida como tendo de ser vivida na sua totalidade para a glória de Deus.
Se você ainda não está no trabalho que considera ideal, não importa, encare-o como um passo, como parte do caminho do seu objetivo, e cumpra-o da melhor forma possível, pois foi ali que Deus te colocou, e, pelo menos por hora, é ali que você deve honrá-lO. Talvez Ele esteja te presenteando com uma grande oportunidade de amadurecimento, crescimento e poder de adaptação, que você jamais teria se não estivesse exatamente onde está.
O chamado gera esperança inigualável
Não existe fórmula mais poderosa para subverter, ou pelo menos aplacar o avanço do caos no mundo, do que um ser humano consciente de sua vocação diante de Deus. Não existe empreendimento mais certo para promoção do bem e da justiça do que homens e mulheres cônscios de suas responsabilidades individuais e vocacionais perante o Senhor, e que, com base nesta ética, educam seus filhos e os filhos de seus filhos.
É a partir desta perspectiva, que não rouba de Deus seu lugar de Senhor e Redentor da história, que devem emergir todas as iniciativas de promoção de paz, educação, beleza, justiça, saúde, fraternidade, equidade, bem-estar e alegria no mundo.
Minha expectativa é de que deixemos para trás dois dos grandes ídolos do mundo moderno – dinheiro e prazer –, e compreendamos a relevância intrínseca e histórica de nossa fé, para que assim, passemos a ensinar, contínua e convictamente, nossos filhos, netos, e irmãos em Cristo, como a nossa vocação diante do Senhor, constitui um dos verdadeiros e mais frutíferos pilares da vida de alguém que se confessa um seguidor de Jesus, aqui e agora.
Que Deus nos alcance!
Lucas Freitas é plantador da Igreja Presbiteriana do Brasil na cidade de Cunha/SP, é bacharel em teologia pela FUNVIC – Fundação Universitária Vida Cristã em Pindamonhangaba/SP, é formado no SEDEC – Seminário de Desenvolvimento Comunitário pelo CADI Brasil, na Escola Compacta pela Missão Steiger Brasil e no CTM Centro de Treinamento Missionário da Igreja Presbiteriana do Brasil.