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Escrevo de Fortaleza, no Ceará. No momento em que escrevo nosso estado tem, infelizmente, 12.310 casos e 849 mortes confirmadas por covid-19. O sistema público de saúde da capital está um caos; já são quatro hospitais particulares saturados e sem capacidade de atendimento ao público. Estamos na véspera do início do lockdown (quinta, 07/05) e diante de toda essa situação escrevo hoje para a comunidade cristã de Fortaleza e de todo o país. Escrevo para lembrar que na ética cristã o amor é maior que a liberdade. Escrevo para afirmar com Jesus e Paulo que o fundamento do nosso modo de viver não é a liberdade individual, mas o amor comunitário.

Em meio a tudo isso, um político liberal local postou a seguinte frase de Benjamim Franklin: “Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança não merecem nem liberdade nem segurança”. Essa ideia de não concordar em cumprir com as medidas de lockdown tem se espalhado para cristãos que se julgam de direita, sendo mais liberais ou conservadores. Há um clamor pela liberdade sagrada de ir e vir. Há uma indignação pela falta de liberdade. Mas aqui está a pergunta que um cristão deve fazer: a liberdade é um valor tão grande que deve ser defendida quando ela causa centenas de mortes e milhares de internações hospitalares?

A lei e ética cristãs não foram resumidas por Jesus em liberdade, mas em amor (Mt 22.35-40). Paulo também nos apontou que aquilo que rege o funcionamento da igreja e o uso dos dons não é a liberdade, mas o amor (1 Co 13). O cristão não é um liberal acima de tudo (e nem todos os liberais são iguais). O cristão é imagem e semelhança do Deus Trindade, que é amor. Não fomos chamados para viver sobre o fundamento da liberdade individual, mas do amor cristão que se dirige a Deus e ao próximo. Paulo aplica esse fundamento ético em 1 Coríntios 8 e Romanos 14:

No que se refere às coisas sacrificadas a ídolos, sabemos que todos temos conhecimento. O conhecimento leva ao orgulho, mas o amor edifica. (1 Co 8.1)

Um debate estava acontecendo: os cristãos podem comer comidas sacrificadas a ídolos ou não? Paulo argumentará que sim, os cristãos possuem essa liberdade porque têm conhecimento de que tudo pertence a Deus (1 Co 8.4-6). Por outro lado, existem aqueles que ainda são fracos em suas consciências e tropeçam nessa questão. Paulo, então, alerta que a liberdade cristã não seja pedra de tropeço para esses irmãos. E o princípio de toda essa argumentação de Paulo está no verso 1: o amor é mais importante que o conhecimento que leva à liberdade. Ele está dizendo: vocês têm liberdade para comer o que quiserem, mas em nome do amor cristão abram mão da liberdade individual para cuidarem dos irmãos mais fracos.

Se o seu irmão fica triste por causa do que você come, você já não anda segundo o amor. Não faça perecer, por causa daquilo que você come, aquele por quem Cristo morreu. (Rm 14.15)

Em Romanos temos o mesmo ponto. Há irmãos fortes que conhecem suas liberdades individuais e vivem bem nelas, mas há os fracos que ainda tropeçam em alguns assuntos, como o que comer. Paulo confirma a liberdade cristã, mas chama os fortes a viverem um princípio mais elevado, o princípio do amor. Para Paulo, a liberdade individual mais importante é a liberdade de crer em Deus. E tudo que pode atrapalhar isso deve ser evitado em amor, o amor que abre mão de todas as outras liberdades individuais. As palavras são mais duras aqui: quem entristece um irmão pelo que come não anda segundo o amor. O apóstolo está dizendo que o caminho mais excelente para o cristão andar não é o caminho da liberdade individual, mas o caminho do amor comunitário.

Nossa situação com a pandemia do coronavírus merece uma reflexão nesse princípio. Nossa liberdade individual de ir e vir é o grande fator de propagação de um vírus que tem causado caos social e a morte de muitos. E é nessas horas que o cristianismo nos ensina que o amor supera a liberdade. Ele nos ensina que, assim como a liberdade de crer, a liberdade de viver é mais importante que outras liberdades. Por isso, dirijo-me aqui àqueles que podem ficar em casa. Fiquem em nome do amor. Respeitem as medidas de segurança. Sei que muitos precisam sair, que a realidade financeira gera necessidades de locomoção e trabalho, mas faça o máximo possível para cuidar da saúde de todos. Não saia em defesa de liberdades individuais nesse momento.

Nosso Senhor não é um político liberal ou conservador. Nossa cosmovisão não se confunde com a de nenhuma ideologia mundana. Nossa ética não está fundamentada na liberdade individual. Somos servos do Jesus que nos deu a cosmovisão bíblica a partir de sua revelação e nos restaurou para sermos imagem e semelhança do Deus Trino, que é amor. Em nossa ética o amor comunitário é mais importante que liberdades individuais.

 

Pedro Pamplona é casado com Laryssa, pai do Davi e da Ester e pastor na Igreja Batista Filadélfia, em Fortaleza. Mestre em Teologia Sistemática (Th.M) pelo Instituto Aubrey Clark (Fortaleza/CE). |Instagram| |Twitter|

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