A teologia me salvou daquele cara chato que fala mal do natal e me tornou um entusiasta desse feriado e da época de dezembro. Tanto a teologia propriamente dita sobre Deus como a teologia sobre as coisas diárias da vida, ou sobre as coisas da terra, como diz o excelente livro de Joe Rigney. Não que eu fosse aquele tipo de crente que acha que o natal é fruto do paganismo e, portanto, algo pecaminoso. Meu caso era de indiferença. Mas ainda bem que a teologia me mostrou outro caminho. Há uma beleza extraordinária no natal. Na verdade, há várias belezas extraordinárias no natal… várias que podemos e devemos contemplar e aproveitar.
Como não tenho tempo para escrever sobre todas (acho que daria um bom livro), quero apenas resumir aquela que eu penso ser a maior beleza desse feriado: O NATAL É TRINITÁRIO. Totalmente trinitário. Fique comigo mais um pouco nos próximos parágafos e deixe sua mente contemplar essa beleza eterna e natalina por meio do evangelho de João.
IMPORTANTE: A intenção principal do quarto evangelho é bem clara. João a registrou de forma direta dizendo que aqueles atos de Jesus “foram registrados para que possais crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida eterna” (Jo 20.31). Da mesma forma, ele define a vida eterna afirmando que ela significa que “conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, que enviaste” (Jo 17.3). Portanto, a ideia principal de João é apresentar Deus por meio de Jesus Cristo para que seus leitores os conheçam e tenham a vida eterna. É nesse contexto que ele aponta para a Trindade como o Deus que se revela e nos mostra a beleza em torno do natal.
A origem eterna do natal
O prólogo de João (1.1-18) é um introdução a todo esse tema de João. Ele quer mostrar a base teológica da sua ideia de revelação e vida eterna. Para isso, ele faz algo diferente dos outros evangelhos. João começa na eternidade. Ele está falando de Jesus ainda pré encarnado, antes da criação.
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1.1)
Há muito o que dizer sobre esse único versículo, mas quero resumir e destacar alguns pontos: (1) O Verbo sempre existiu, ele não “passou a ser” ou “nasceu” no princípio, ele já “era”; (2) O Verbo é distinto de Deus Pai, pois é dito que estava com ele, há uma relação eterna entre seres eternos; (3) O Verbo era Deus, sua natureza também era divina; (4) Esse Verbo passa a ser identificado como o Filho de Deus nos versos 14 e 18.
João está nos dizendo que antes de tudo existir já existia o relacionamento eterno entre Deus Pai e Deus Filho. O nascimento que celebramos no natal só é importante, único e revelador porque é o nascimento do Filho eterno de Deus que sempre existiu ao lado do seu Pai. Se a existência de Jesus tivesse o seu início naquela manjedoura, seu aniversário seria comum como os nossos. A beleza do natal está no seu caráter eterno e trinitário.
O mistério milagroso do natal
O prólogo de João continua nos dizendo coisas impressionantes. Lá somos informados que esse Filho eterno de Deus “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Deus nasceu. Será que conseguimos enxergar o quão milagroso e misterioso é isso? O infinito nasceu como alguém finito. Como isso pode acontecer? Não sabemos, mas cremos que aconteceu.
Anselmo se perguntou porque um Deus-homem (Cur Deus Homo) e ao afirmar que o Jesus Cristo é plenamente Deus e plenamente homem, uma pessoa em duas naturezas e duas naturezas em uma pessoa, ele concluiu que só um Deus-homem poderia oferecer um sacrifício pela salvação dos homens e que ao mesmo tempo fizesse satisfação da justiça e santidade de Deus.
No natal, celebremos não só o nascimento de um Deus ou o nascimento de um homem. Celebramos o nascimento do Deus-homem! E isso faz toda a diferença. Como Deus Filho ele foi enviado para ser também homem por Deus Pai e ungido pelo Deus Espírito Santo. “O Verbos estava no mundo” (Jo 1.10). Que milagre! Que mistério!
A revelação luminosa do natal
O prólogo ainda nos mostra mais uma grande beleza do natal. E aqui está o centro trinitario dessa celebração. A encarnação tem um objetivo que João faz questão de destacar. Jesus Cristo veio a nós como Deus-homem para revelar o Pai. Ele é descrito como a verdadeira luz (1.9) e luz dos homens (1.4). No verso 18, final do prólogo, João afirma que “ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou”. O que ele quer dizer é que não há outra forma de ver a Deus a não ser pelo Filho. E isso tem uma explicação, esse Filho está em grande intimidade com o Pai, e por isso é capaz de revelá-lo.
Essa intimidade descrita como estar no seio (ou ao lado, no colo) do Pai fica mais clara no diálogo entre Jesus e Filipe, no capítulo 14. Filipe faz um bom pedido cheio de boa intenção. Ele quer que Jesus mostre a eles o Pai, mas a resposta do Senhor é curiosa: “Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe?” (Jo 14.9). Jesus está se igualando ao Pai. Ele explica que quem o vê, vê ao Pai. Ele é a revelação exata de Deus andando entre nós.
A ideia fica ainda mais linda e misteriosa. Jesus vai mais fundo e pergunta a Filipe: “Tu não crês que estou no Pai e que ele está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo. Mas o Pai, que permanece em mim, é quem faz a suas obras. Crede em mim; eu estou no Pai e ele está em mim…” (Jo 14.10-11). Ele está dizendo que o Pai habita nele e Ele no Pai (Jo 10.38; 14.20; 17.21). Ambos estão em tamanha e perfeita intimidade que um está no outro de forma plena. A teologia chama esse aspecto divino de pericorese: a habitação mútua das pessoas trinitárias. O Pai está no Filho, o Filho no Pai e o Espírito em ambos. Onde um está os três estão, onde um age os três agem.
Há uma beleza pericorética no natal. Ver o filho é ver o Pai. Conhecer o Filho é conhecer o Pai. A encarnação e nascimento do Filho é a Trindade entre nós. Há mais luz em Jesus do que em toda a Nova York no natal. Celebrar o natal é celebrar a Santa Trindade por meios de Jesus Cristo.
A presença diária do natal
Ainda há uma outra beleza nisso tudo. Após morrer e ressuscitar, antes de subir aos céus, Jesus nos deixou o Espírito Santo. Seu ministério é descrito nos capítulos 14 e 16, e uma de suas funções é a de continuar a obra de revelação. Ele apontará para o Filho que revela o Pai. Toda a Trindade está envolvida nessa tarefa de revelar-se ao povo de Deus. A Trindade é um Deus missionário e o natal nos lembra disso!
Há um texto em Romanos que nos aponta para o envolvimento do Espírito na pericorese. Romanos 8.9-11 nos mostra de forma misteriosa que somos habitados pelo Espírito e, junto disso, somos habitados por Cristo e receptores da ação do Pai. O que quero dizer com isso é que além da encarnação, hoje temos a presença diária do Espírito dentro de nós. E isso implica dizer que a Trindade habita em nós de forma especial por meio do Espírito. Tudo o que o natal representa, a pessoa de Cristo e a revelação do Pai, está presente diariamente em nós na pessoa do Espírito Santo! É natal todo dia… Não por mero sentimentalismo, mas porque o Deus Trino habita em nós diariamente!
“Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.” (Gálatas 4.4-6)
Para falar sobre isso de um modo mais “poético”, escrevi um pequeno texto chamado “O Deus Que Desceu Pela Chaminé”. É isso que eu acredito que aconteceu no nascimento de Jesus. O Deus Trino veio até nós pelo Filho e depois pelo Espírito. Fomos tocados e habitados pela Trindade. No natal, celebramos o Deus que está acima de nós, mas que também esteve entre nós e que hoje habita dentro de nós. Essa é a grande beleza do natal! O grande mistério! E é por isso que nunca mais deixarei de celebrá-lo com alegria e empolgação. Emanuel, a Trindade conosco. O Filho eterno de Deus nasceu entre os homens… aleluia!
Pedro Pamplona é casado com Laryssa e formado em administração pela Faculdade 7 de Setembro (Fortaleza/CE), pós-graduado em Estudos Teológicos pelo Centro Presbiteriano Andrew Jumper (São Paulo/SP) e estudante do Sacrae Theologiae Magister (Th.M) em Teologia Sistemática do Instituto Aubrey Clark (Fortaleza/CE). Serve integralmente como líder de jovens na Igreja Batista Filadélfia, em Fortaleza.