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Qual a visão de Deus você tem enquanto está adorando? Minha teoria inicial nesse rápido texto é a que, com o passar do tempo, temos perdido a visão mais sublime e doxológica de Deus. Do nosso Deus do cristianismo. Essa visão é a visão trinitária. Seja sincero: qual foi a última vez que você se pegou pensando em como maravilhoso e misterioso é o fato de Deus ser trino? Me incluo nessa pergunta. E fico triste em afirmar que perdemos nossas lentes trinitárias. Na adoração, somos unitaristas funcionais na maioria das vezes. Ou quem sabe seria melhor dizer trinitários não praticantes.

Um dos grandes responsáveis por esse embaçamento nas lentes foi Immanuel Kant e sua teoria do conhecimento pautada em espaço e tempo. Ao dar origem ao pensamento moderno Kant nos afastou do transcendente em Deus e dos mistérios divinos.

Da doutrina da Trindade não se tira, definitivamente, nada de importante para a prática, mesmo quando se pretendia entende-la; muito menos ainda quando alguém se convence de que absolutamente supera todos os nossos conceitos. Ao aluno não custa nada aceitar que na divindade adoramos três ou dez pessoas. Para ele tanto faz uma coisa ou outra, porque não tem ideia nenhuma sobre um Deus em várias pessoas (hipóstases). Mas ainda, porque desta distinção não deriva absolutamente nenhuma pauta para sua conduta. (citado em BOFF, 1986, p. 33)

O pensamento pragmático tornou o pensamento doxológico na Trindade numa inutilidade. Por que perder tempo em algo que “não deriva absolutamente nenhuma pauta para nossa conduta”. Felizmente Kant estava completamente enganado. Infelizmente nós somos influenciados pelo seu legado. Os séculos 17 ao 20 nos apresentaram um silêncio melancólico sobre a doutrina da Trindade (estou sendo otimista). Estávamos perdendo a jóia rara do cristianismo…

Até que Karl Barth deu um belo empurrão e colocou a Trindade novamente em ênfase. Sua publicação “Dogmática da Igreja” em 1932 tratou a doutrina da Trindade como primária para entendermos toda a revelação de Deus. Ele afirmou que “ao dar a esta doutrina um lugar de proeminência, nossa preocupação não pode ser meramente que ela tenha esse lugar externamente, mas sim que seu conteúdo seja decisivo e controlador para toda a dogmática” (1976, vol. 1, p. 303).

Barth reacendeu a chama trinitária e colocou a academia teológica em grande discussão novamente sobre essa doutrina. Muitos falam num espécie de avivamento trinitários nas últimas décadas. O debate teológico está a todo vapor, mas precisamos trazer esse “avivamento” para a igreja. Ainda falta muito nessa área. Sabemos que Deus é trino, mas ainda desconfiamos kantianamente da relevância dessa doutrina. O que ela mudaria em nossas vidas como igreja? Será que Barth não estava exagerando? São ótimas perguntas realmente. E nesse texto gostaria de apresentar uma ótima razão para retonarmos ao foco trinitário: ele aprofunda nossa adoração.

A Singularidade da Adoração Cristã

A adoração cristã é única porque adora a um Deus único. E isso quer dizer que adoramos a um Deus que é Trindade. Não estamos adorando a Alá, um deus sem diversidade, nem mesmo a tríade hindu de Bhrama, Vishnu e Shiva, deuses sem unidade. Estamos invocando e exaltando o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que são ao mesmo três e também um. A Trindade é aquela joia rara que só pode ser encontrada no cristianismo! E nenhum mistério é mais doxológico do que o mistério da Trindade e de como Eles se relacionam entre si e conosco, seu povo.

O texto de Efésios 1.3–14 é um louvor de Paulo à obra trinitária de Deus na redenção do seu povo. Só adoramos porque Deus o Pai nos escolheu para Ele e nos permitiu entrar em sua presença como filhos (v. 3–6). Só adoramos porque Deus o filho nasceu, viveu, morreu e ressuscitou por nós. Seu sangue permite que nos acheguemos a Deus e possamos cultua-lo (v.7–12). Só continuamos adorando porque o Espírito Santo nos selou e é o nosso penhor de segurança (v.13–14), além de ensinar e agir em nós para que adoremos corretamente. Deus age de forma trina e pessoal, mantendo sua imanência e transcendência, para salvar seu povo e os conduzir em adoração. Nenhum outro Deus pode fazer isso!

O Exemplo de Paulo

Todo culto é trinitário porque é um ato soberano da Trindade. Mas ter essa percepção trinitária aprofunda nossa adoração. Pensar no Deus único, inalcançável e misterioso que ao mesmo tempo que se revelou como homem e desvenda parte do mistério habitando em nós é como por um caminhão de gasolina em nossa fogueira de adoração.

Não existe nenhuma doutrina ou verdade sobre Deus mais doxológica do que a Trindade. Ela é a visão máxima que podemos ter de Deus. É o entendimento máximo que podemos ter sobre o objeto de adoração. Em outras palavras, é o melhor quadro sobre Deus que podemos pintar para nossa contemplação. Nos exemplo a seguir, quero encorajar você a fazer isso pelo exemplo de grandes homens de Deus.

Vamos começar com Paulo, um exemplo canônico. Em alguns momentos ele apresenta uma estrutura trina de louvor e oração. Além de Efésios 1, aqui estão outros textos:

Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome, Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior; Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações… (Efésios 3:14–17)

Graças damos a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, orando sempre por vós… Como aprendestes de Epafras, nosso amado conservo, que para vós é um fiel ministro de Cristo, O qual nos declarou também o vosso amor no Espírito. (Colossenses 1:3–8)

Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade; Para o que pelo nosso evangelho vos chamou, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo. (2 Tessalonicenses 2:13,14)

Paulo não tinha uma doutrina da Trindade formulada na cabeça como conhecemos hoje, mas com certeza enxergava no Pai, Filho e Espírito pessoas divinas a quem orações e adoração eram dirigidas. Sua oração trinitária mais direta e famosa está no seu encerramento da segunda carta aos coríntios:

A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo seja com todos vós. Amém. (2 Coríntios 13:14)

Grandes Exemplos Históricos

Sabendo que essa é uma prática bíblica, podemos considerar agora alguns exemplos posteriores importantes. Quero citar alguns homens que nos inspiram a adorar com esse quadro trinitário de Deus em mente. Pense na beleza e desses pensamentos…

Hilário de Poitiers (300–368)

Um só é o Poder, do qual tudo procede; um só é o Filho, por quem tudo começa; e um só é o Dom, que é penhor da esperança perfeita. Nada falta a tão grande per­feição. Tudo é perfeitíssimo na Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo: a infinidade no Eterno, o esplendor na Imagem, a atividade no Dom. (Tratado Sobre a Santíssima Trindade)

Gregório de Nazianzo (329–390)

Mal me dou conta do Um esou iluminado pelo esplendor dos três; mal os distingo e sou levado de volta ao Um. Quando penso em qualquer um dos três, penso nele como o todo, meus olhos são preenchidos e a maior parte do que estou pensando me escapa… quando contemplo os três juntos vejo apenas uma chama e não posso dividir ou mensurar a luz indivisível. (Orations)

Essa, então, é minha posição… adoremos a Deus o Pai, Deus o Filho, e Deus Espírito Santo, três pessoas, uma divindade, indivisível em honra, glória, substância e reino” (Orations)

Gregório de Nissa (335–394) se viu diante de um ciclo envolvente de glória:

O Filho é glorificado pelo espírito; O pai é glorificado pelo filho; Novamente, o Filho tem a sua glória do pai; E o unigênito torna-se assim a glória do espírito … da mesma maneira … a fé completa o círculo e glorifica o filho por meio do espírito e o pai por meio do Filho (Dogmatic Treatises)

Agostinho (354–430), na conclusão de sua grande obra A Trindade, orou assim:

Senhor nosso Deus, nós cremos em ti, Pai, Filho e Espírito Santo. Pois a Verdade não teria dito: Ide, batizai a todos os povos, em nome do Pai, do Filho e Do Espírito Santo (Mt 28,19), se não fosses Trindade. Nem nos ordenaria que fôssemos batizados, ó Senhor nosso Deus, em nome de alguém que não é o Senhor Deus. Nem a voz divina diria: Ouve, ó Israel, o Senhor teu Deus é o único Deus (Dt 6,4), se não fosses Trindade e, ao mesmo tempo, o único Senhor Deus… Dirigindo todo meu empenho por essa regra de fé, na medida de minhas forças e o quanto me tornaste capaz, eu te procurei e desejei ver pelo entendimento o que creio… Ó Senhor meu Deus, única esperança minha, ouve-me, a fim de que jamais me entregue ao cansaço e não mais queira te buscar, mas ao contrário que sempre procure tu face com todo o ardor (Sl 104,4)… Senhor, único Deus, Deus Trindade… (A Trindade)

João Damasceno (676–749)

Uma essência, uma divindade, um poder, uma vontade, uma energia, um começo, uma autoridade, um domínio, uma soberania, revelado em três perfeitas subsistências e adorado com uma adoração… unido sem confusão e dividido sem separação. (De Orthodoxa Fidei)

Todos eles e ainda muitos outros estavam louvando a Deus ao meditar e contemplando os mistérios da Trindade. Uma coisa em comum com todo é que eles se dedicaram a estudar essa doutrina. Buscaram conhecer a unidade e a diversidade em Deus. E diante da beleza inimaginável adoraram com profundidade.

Minhas palavras finais são nessa direção. Precisamos sair do trinitarianismo não praticante, e para isso precisamos sair primeiro do analfabetismo trinitário. Que possamos estudar a doutrina da Trindade para conhecer o nosso Deus Trino, e que diante dos mistérios possamos adora-lo com mais intensidade. Pense na Trindade em meio a adoração. Pensar em Deus como Trindade é pensar sobre Ele da forma mais elevada e digna de glória possível. E quando pensamos que esse Deus Trindade se relaciona conosco, essa se torna a realidade mais doxológica que existe! Ele é a nossa Trindade, ou como Gregório de Naziazo diria, “minha Trindade”.

Pedro Pamplona é casado com Laryssa e formado em administração pela Faculdade 7 de Setembro (Fortaleza/CE), pós-graduado em Estudos Teológicos pelo Centro Presbiteriano Andrew Jumper (São Paulo/SP) e estudante do Sacrae Theologiae Magister (Th.M) em Teologia Sistemática do Instituto Aubrey Clark (Fortaleza/CE). Serve integralmente como líder de jovens na Igreja Batista Filadélfia, em Fortaleza.