0

É cada vez mais notória a expansão do pensamento teológico protestante de matriz reformada em nosso país. O movimento se faz ainda mais presente entre os jovens, e com o advento da celebração dos 500 anos da Reforma Protestante, que ocorre este ano no mês de Outubro, os pensadores e as obras dessa cena teológica têm ganhado ainda mais voz e campo entre os cristãos protestantes. Muito disso se dá em função da internet e do grande investimento que editoras cristãs têm feito na publicação de literatura de altíssimo gabarito em nosso país. Tudo isso certamente é motivo de grande alegria e de gratidão ao Senhor, que, por Sua graça, tem presenteado a igreja brasileira com gente cada vez mais capacitada e preparada para o ensino bíblico fiel das Escrituras Sagradas e da teologia cristã.
Contudo, me atreverei a tecer algumas considerações sobre um ponto que tem me deixado um tanto quanto preocupado a respeito da real compreensão da integralidade dos desdobramentos do que a tradição reformada nos legou, e este ponto em especial diz respeito a estética e a arte. Foram os reformadores que nos ajudaram a enxergar a supremacia do senhorio de Cristo sobre todas as coisas e é exatamente nesse sentido que pretendo caminhar neste texto.

Estética? Arte?

Permitam-me explicar, quando falo sobre estética e arte, falo de toda e qualquer iniciativa, atividade e/ou artefato que expresse algo que acreditamos e fazemos, estou falando de produção cultural como um todo: músicas, filmes, artes plásticas, teatro, pintura, festivais culturais de toda sorte, livros, histórias, eventos, palestras; mas não falo apenas do evento e do artefato em si, falo também da forma como estes eventos e artefatos são apresentados, nisso poderíamos incluir, vídeo, fotografia, sonorização, design (guarde bem esta palavra), decoração, recepção, comunicação e mais uma infinidade de aspectos que poderiam ser apontados.

Claro que em um espaço como este não temos tempo nem de arranhar a superfície do que o assunto realmente demanda. Portanto, pretendo falar predominantemente sobre a segunda parte da lista apontada acima, que diz respeito em especial à forma como apresentamos e comunicamos os artefatos culturais que produzimos e a mensagem que temos em mãos.

Ele é Criador e Senhor. De tudo.

Com a expansão da teologia reformada em solo brasileiro, expandiu-se também os eventos e as atividades das igrejas reformadas. Esse movimento, no entanto, deixou patente um problema: muitas vezes temos um conteúdo excelente, porém transmitido de forma vergonhosamente precária. São convites mal elaborados, artes gráficas de gosto extremamente duvidoso, organização e recepção atabalhoadas, comunicação nas redes sociais provinciana, sonorização dos eventos/cultos de baixíssima qualidade, até mesmo a hospitalidade em alguns círculos reformados tende a ser mais fria e distante.

Acredito que o fundamento que deva servir de pano de fundo para a compreensão da  ideia que pretendo sublinhar aqui, é o fato de que Cristo também é Senhor da arte e da estética. De que existe um padrão revelado na criação daquilo que é belo e bom e de que Deus se importa com isso. Talvez tenhamos de ser desafiados a olhar para a criação, reconhecendo nela o maior e mais espetacular Artista que já existiu desde toda a eternidade. Tudo de mais belo que existe no universo desde as mais distantes estrelas que decoram as noites sem luar, até as mais suntuosas maravilhas naturais do nosso planeta Terra, são obras das mãos deste Magnífico Artista, e estão gritando bem diante de nossos olhos o quão interessado Ele é no que é esteticamente belo.

Todos os dias temos oportunidades reais de contemplar o horizonte, a metamorfose de cores do firmamento, o canto sereno de uma ave, o brilho ofuscante do sol, as frondosas e, por vezes intimidadoras, árvores. Diariamente estamos expostos a um festival repleto de cores, traços, linhas, curvas, sons, cheiros e sabores de todos os tipos, pra todos os gostos. Você já parou pra pensar que Deus escolheu que Sua criação fosse assim? Que Ele escolheu agir assim e que Ele é assim? Deus é um Deus que se preocupa com o design e com a beleza das coisas, com a organização, com a estética, com a harmonia dos elementos, Ele não é e nunca foi um Deus de bagunça, desleixado e indiferente ao que bom e belo.

Além da apreensão deste conceito fundante em nosso coração, é preciso também, que restauremos a central importância da arte na vida humana. Ora, uma parcela avassaladora daquilo que influenciou a humanidade e nos influencia todos os dias até hoje, são artefatos culturais e artísticos: desde as grandes obras clássicas da música e da pintura, as artes plásticas, os grandes clássicos da literatura e do teatro, as incontáveis tradições orais que resguardaram por séculos a fio a história e a cultura de inúmeros povos, até a contemporaneidade e suas séries de televisão, filmes, novelas, peças de marketing e propaganda, stand-up comedys, hits musicais, e tantos outros empreendimentos artísticos, tudo, desde sempre possuiu e ainda possui um poder incrível de comunicação e influência na vida do homem. Olhem para toda cultura que tem sido disseminada por este inúmeros veículos artísticos citados acima, não são exatamente eles que têm formado a mentalidade secularizada do homem pós-moderno do século XXI?

Como disse, não vou entrar no mérito de como anda a produção artística cristã em todas essas áreas e qual a relevância e influência que nossos artistas têm como um todo nestes meios, antes, gostaria de lançar um olhar para dentro da igreja, mais especificamente ainda, para o movimento reformado, e como parte deste movimento, me incluo como merecedor de tudo que vou apontar.

Glória de Deus?

Não somos nós que prezamos pela teologia que subscreve o Soli Deo Gloria, a Soberania de Deus sobre todas as coisas, a Supremacia de Cristo, o comer e beber e o fazer qualquer outra coisa para a glória de Deus? De que adianta, meus caros irmãos e irmãs, termos tanta ortodoxia bíblica se não existe de nossa parte o mínimo entendimento dos desdobramentos mais elementares desta tão maravilhosa compreensão que aponta Cristo como Senhor de absolutamente cada palmo do que fazemos e de cada segundo em que existimos?

Como podemos falar tanto na glória de Deus quando, por vezes, não conseguimos refletir essa consciência na confecção de um simples anúncio de um evento que organizaremos? Numa simples arte para internet, num banner, num outdoor, num cartaz, num vídeo, na gravação, mixagem e masterização de uma música? Como podemos com nossas bocas e livros anunciar que tudo pertence a Deus e deve ser feito para Sua glória e continuar apresentando toda essa riqueza que temos em mãos de forma tão precária e medíocre? O que perdemos no meio desse processo todo?

Como, diante do Deus que criou toda essa beleza estonteante da criação, continuamos com nossas igrejas visualmente pensadas e ornamentadas de forma tão desleixada? Por que tanta pobreza estética? Por que os músicos nas igrejas reformadas geralmente parecem ser os menos aplicados e ensaiados? Por que o som em igrejas reformadas predominantemente é tão precário e mal equalizado? Por que sempre que vamos exibir algum vídeo no datashow as coisas nunca dão certo de primeira? Por que as bandas e cantores de tradição reformada quando gravam seus trabalhos em um CD, parecem estar anos-luz do mínimo que existe no mundo atual do áudio? Por que temos de ser sempre tão atrasados e retrógrados em todos estes aspectos? Será que já não passamos da hora de perceber o quanto isso é vergonhoso e o quanto uma mudança em nosso comportamento poderia contribuir para o avanço da poderosa mensagem que temos em mãos?

Proponho uma nova forma de encarar não apenas as atividades da igreja, mas a vida.

É triste quando somos tomados de assalto por um pragmatismo doentio, pensando que tudo isso tem menos importância para Deus, ou pior, nem importância tem. Por isso, gostaria de encorajar você a, de agora em diante, esmerar-se o máximo possível em qualquer atividade que colocar as mãos, tendo sempre em mente todos estes aspectos que abordamos neste texto. Encarar o mundo desta perspectiva pode mudar a sua vida. Quando você for organizar um evento que envolva a mensagem do evangelho, não deixe para última hora, não seja negligente, monte uma equipe disposta a trabalhar, planeje-se em todos os detalhes, não subestime a arte, o design, a ordem, nem a estética, eles comunicam muito mais a seu respeito e a respeito de sua comunidade de fé do que você pode imaginar.

Mas podemos ainda ir muito adiante, quando você for arrumar e organizar a cozinha, o guarda-roupa, seus livros, a estante, o quintal, o escritório, quando for decorar um ambiente, fazer uma propaganda, um folheto, um cartaz, um site, um vídeo, quando for consertar a próxima torneira, trocar o próximo chuveiro, organizar seus documentos, quando for fazer aquela pintura em casa, por a mesa para o almoço de domingo, lembre-se do Deus a quem você serve e o quão detalhista e caprichoso Ele é. Comece a reparar nos detalhes, nos sabores, nas cores, nas letras, nos tamanhos, nos timbres, nas pequenas coisas feitas com excelência, dê valor a tudo isso. Não relativize o belo, ainda existe beleza no mundo de Deus. Ele mesmo deu uma incrível capacidade criadora e embelezadora a todos nós, Ele nos fez assim porque Ele é assim, e somos criados a Sua imagem e semelhança. Não jogue isso fora.

Porventura, eu estou falando que a eficácia da mensagem do evangelho depende destas coisas? Claro que não! O Espírito faz o quer, como quer, quando quer e do jeito que quer, entretanto, isso não abre precedente para que sejamos desleixados esteticamente. É importante dizer também que nada do que foi apontado aqui precisa necessariamente depender de muito dinheiro, é bem possível sermos organizados e esteticamente comprometidos, dispondo de poucos recursos, a questão tem muito mais a ver com o coração e com a forma de encarar as coisas do que com dinheiro. O ponto é que nós temos um padrão estético a seguir, e o padrão é de altíssimo nível, é o padrão da criação.

É hora de valorizar e encorajar nossos músicos, compositores, fotógrafos, sonoplastas, decoradores, poetas, designers gráficos (estes são muito necessários), artesãos, artistas plásticos, iluminadores, escritores, engenheiros de áudio, pintores, escultores, roteiristas, produtores musicais, enfim, designers e artistas de toda a sorte. Temos de erradicar de nossas concepções aquela ideia tão peculiar aos círculos evangélicos de que no Reino de Deus não existem artistas. Deus não é contra os artistas, pelo contrário, Deus é um deles. O maior de todos eles.

Que o Senhor desperte as igrejas reformadas para este aspecto do Senhorio de Cristo e que possamos glorificá-lo com muito mais fidelidade na esfera da arte, da estética e do design.

Lucas Freitas é plantador da Igreja Presbiteriana do Brasil na cidade de Cunha/SP, é formado no SEDEC – Seminário de Desenvolvimento Comunitário pelo CADI Brasil e na Escola Compacta pela Missão Steiger Brasil. Atualmente cursa o oitavo semestre de teologia pela FUNVIC – Fundação Universitária Vida Cristã em Pindamonhangaba/SP.