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De Gênesis a Apocalipse, o Senhor nos adverte a respeito da astúcia de Satanás. Aquele que é “o príncipe dos demônios” (Mt 12.24) busca uma ocasião oportuna para nos devorar. É isto que Pedro diz em seu livro: “Sede sóbrios, vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão, buscando a quem possa tragar” (1Pe 5.8). Na verdade, estas palavras escritas por Pedro refletem a exortação de nosso Senhor dirigidas anos antes a ele mesmo: “Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo.” (Lc 22.31).
Por muitas vezes ao longo dos Evangelhos, vemos um encontro direto de Jesus com os demônios. Muitas destas vezes, os demônios se prostram diante dele com uma forte declaração a respeito de Sua pessoa (Mt 8.9; Mc 1.24; Mc 3.11; Lc 4.41; Lc 8.28). Era evidente, até mesmo para os demônios, que Aquele Homem era o Cristo, o Filho Santo do Deus Altíssimo. Não há nenhuma ocasião em que os demônios se deparem com Jesus e que não saiam dizendo: “Tu és o Filho de Deus”, ou algo semelhante.

Ainda assim, o príncipe dos demônios, Satanás, só fala por três vezes em toda a Escritura. Embora, de alguma maneira, direta ou indiretamente, ele esteja por trás de toda maldade que há no mundo e até mesmo do pecado e miséria que há no homem, sua voz nas Escrituras só podem ser ouvidas diretamente em três ocasiões. Sendo assim, analisaremos, neste pequeno texto, o que está por trás de cada uma de suas falas.

Ao homem

A primeira ocasião em que a voz de Satanás é ouvida diretamente é no Éden. Ali, Satanás se apresenta em forma de serpente para enganar a mulher (Gn 3.1; cf. Ap 12.9). E depois de introduzir uma pergunta perniciosa a respeito da Palavra de Deus (Gn 3.1), Satanás afirma categoricamente a Eva que a Palavra do Senhor é mentirosa e que Deus temia que os homens fossem como Ele. “Disse a serpente à mulher: certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia que comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecendo bem e mal” (Gn 3.4,5).

Muitas coisas poderiam ser ditas aqui. Poderíamos analisar a forma como ele desacredita a Palavra de Deus ou o porquê de ele usar a Palavra de Deus como tema inicial de sua conversa. Porém, como eu já disse, o que quero frisar hoje é o que está por trás do que ele diz à mulher. Repare que, nesta ocasião, Satanás vem ao ser humano para falar a respeito de Deus. E, em outras palavras, o que ele diz é: “Deus teme que vocês sejam iguais a Ele; Ele não quer que vocês conheçam a verdade. Libertem-se dEle; sejam deuses de si mesmos, porque Deus não é tão bom assim para vocês como Ele diz”.

A Deus

A segunda ocasião em que suas palavras são registradas se encontra no livro de Jó. Aqui, a situação é completamente diferente. Ao que parece, enquanto os anjos do Senhor se apresentam perante Ele, Satanás se apresenta também (Jó 1.6). E depois de uma pergunta perspicaz (Jó 1.7), o Senhor introduz Jó na conversa. Ao que Satanás responde: “Porventura, Jó teme a Deus debalde? Não o tens protegido de todo lado a ele, e a sua casa e a tudo quanto possui? Tens abençoado a obra de suas mãos, e os seus bens se multiplicam na terra. Mas estende agora a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e ele blasfemará de ti na tua face.” (Jó 1.9-11). Mais uma vez, o cenário básico se repete e Satanás diz algo semelhante (Jó 2.4,5).

Outras muitas coisas poderiam ser notadas destas passagens. Poderíamos falar a respeito do propósito divino na vida dos seus servos ou da soberania de Deus sobre todas as coisas – até mesmo sobre Satanás. Todavia, mais uma vez veremos o que está por trás das palavras do diabo.  Interessante notarmos que, agora, o Maligno adota uma postura completamente diferente. Se na primeira ocasião ele fala ao homem a respeito de Deus, desta feita ele fala a Deus a respeito do homem. E, naturalmente, o teor de sua fala não é o mesmo. Ele não está mais diante de Eva; desta vez, ele se encontra diante do Sapientíssimo Deus – e ele sabe disso.

Como vimos acima, na primeira ocasião em que sua fala é registrada, ele mentiu para Eva sugerindo que Deus não é tão bom assim. Contudo, ele sabe que Deus é infinitamente bom para os Seus (Sl 73.1; 107.1; 136.1). Por isso, sua estratégia aqui foi frisar justamente a bondade de Deus. O que ele sugere, agora, é totalmente contrário do que ele sugeriu à Eva. Aqui ele diz: “O Senhor cerca a Jó com muitas bênçãos. Ele tem tudo que precisa, e muito mais. Deixe de ser o Deus dele para ver se ele não blasfema de ti. Ele só te serve porque o Senhor é muito bom para ele.” Percebem a sutil, embora drástica, diferença?

Ao Deus-Homem

A terceira e última ocasião em que o próprio Satanás tem sua fala registrada nas Escrituras se encontra nos Evangelhos. Depois de ter sido batizado, Jesus é levado, pelo Espírito Santo, ao deserto para ser tentado por Satanás (Mt 4.1; Lc 4.1). Após 40 dias sem comer, o diabo se aproxima do Filho de Deus para tentá-lo. Ele faz três investidas contra Jesus, das quais a última, certamente, é sua cartada mais forte. “Novamente, o diabo o levou a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles; e disse-lhe: ‘Tudo isto te darei, se prostrado me adorares’” (Mt 4.8,9).

Se na primeira ocasião Satanás se apresenta ao homem e na segunda a Deus, na terceira ele se encontra diante do Deus-Homem – e ele sabe disso. Jesus é Deus como o Pai e homem como Adão, que também foi enganado pela mentira de Satanás (Gn 3.6; cf. 1Tm 2.14). O diabo sabe que Jesus veio para lhe esmagar a cabeça. O próprio Deus disse isto para ele quando este enganou a Eva (Gn 3.15). Sabendo disto, o que ele diz a Jesus no texto de Mateus supracitado é: “Prostre-se diante de mim que eu te darei toda glória do mundo. Você não precisa passar pela morte da cruz para receber a glória; eu te darei toda ela se me fizeres seu deus. Deixe-me ser o seu deus, afinal eu posso ser um deus melhor do que Ele é para Você.”.

Atenção, zelo e vigilância

Veja que na primeira vez ele se apresenta ao homem; na segunda vez, a Deus; e na terceira, ao Deus-Homem. Na primeira, ele sugere sutilmente que Deus não é tão bom assim; na segunda, ele diz a Deus que Ele é muito bom para Jó; e na terceira ele se propõe a ser melhor do que Deus para Jesus. Na primeira ocasião, ele sugere a Eva que ela e seu marido fossem deuses de si mesmo; na segunda, ele sugere a Deus que deixasse de ser o Deus que Ele era para Jó; na terceira, ele se propõe a ser o deus de Jesus. Em todas estas ocasiões, o que ele está tentando fazer é usar de suas artimanhas para que não adoremos ao único e verdadeiro Deus, embaçando-nos a vista para que não enxerguemos a Deus como Ele deve ser visto.

E para isto, se necessário for, ele buscará perverter até mesmo a Palavra de Deus (cf. 2Co 11.14; Gl 1.8,9). Ele usa até mesmo a Palavra para tentar a Jesus, mas partindo de uma interpretação propositalmente equivocada (Mt 4.6). De várias formas e com vários estratagemas diferentes, seu objetivo é sempre o mesmo: tirar Deus do centro de nossas vidas. Às vezes ele nos dirá que Deus não é tão bom para nós quanto Ele diz ser; outras vezes chegará até mesmo a propor de ser um deus melhor para nós, ou então perverterá a doutrina da bondade de Deus com alegações de uma bondade amoral, levando-nos, assim, a abusar de nossa liberdade em Cristo (Jd 4; Ap 2.20).

“Sede sóbrios, vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão, buscando a quem possa tragar” (1Pe 5.8). “Sujeitai-vos, pois, a Deus, mas resisti ao Diabo, e ele fugirá de vós.” (Tg 4.7). Quem tem ouvidos ouça.

 

Rafael Almeida. 24 anos, nascido em Passa Quatro – MG. Formado em Redes de Computadores pela Fatec/Cruzeiro – SP. Coordenador dos trabalhos da Igreja Batista Reformada em Passa Quatro – MG. Tem interesse especial em hermenêutica e exegese. Rafael é casado com Ana Cristina.