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Por séculos, os cristãos têm sido chamados por filósofos incrédulos de irracionais, ilógicos ou contraditórios. Isto se deve ao fato de afirmarmos a crença em doutrinas que nos são misteriosas. Uma destas doutrinas é a doutrina da Trindade Santíssima. A doutrina da Trindade é fundamental a todo o cristianismo, pois reflete o ser do único e verdadeiro Deus. Se não cremos na Trindade, cremos em outro deus, inventado pelos homens ou por demônios. Por isso, afirmamos crer em Um só Deus bendito, o qual subsiste em três Pessoas Santíssimas. É impossível ser chamado de cristão e negar esta santa doutrina. Afinal, como diz o Credo Atanasiano: “Todo aquele que quiser ser salvo, é necessário acima de tudo, que sustente a fé universal. […] a fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade.”
Desde já, quero deixar claro que não estou propondo que entendamos todos os mistérios que há em Deus, e nem mesmo que isto seja “pré-requisito” para a salvação. De forma alguma. Creio que nem mesmo em toda eternidade entenderemos todos os mistérios Divinos. Isto não significa que temos uma fé irracional; apesar de nossa crença conter mistérios – e nós os aceitamos pela fé – ela é, em todo momento, racional. A ignorância não é um lugar onde podemos nos refugiar. É óbvio que tentar fazê-lo é pecaminoso. Devemos conhecer Aquele a quem dizemos amar. De outra forma, como poderíamos afirmar amá-lO se não O conhecemos? O que o Senhor nos revelou pelo Seu Espírito em Sua Palavra, portanto, deve ser conhecido, estudado e crido com muito temor e tremor, com máximo de empenho e disciplina.

Destarte, quero poder, com este pequeno texto, ajudar os irmãos a desconstruir a falácia da contradição, bem como fortalecer a crença na fé cristã ortodoxa. Não tenciono abordar, aqui, o que é a doutrina da Trindade. Para isto, recomendo aos irmãos que leiam os credos antigos produzidos pelos Pais da Igreja, tal como o Credo Atanasiano, citado acima. Quero aplicar meus esforços em mostrar que em momento algum somos contraditórios ao afirmar nossa crença na Trindade. Como tutor neste desafio, usarei o livro “Defendendo sua Fé: uma introdução à apologética”, do Dr. R. C. Sproul.

O que é contradição?

Embora hoje muitos tratem contradição e paradoxo como sinônimos, os dois termos se referem a algo muito distinto. Contradição vem do latim e tem sentido de “dizer contra” alguma coisa que havia sido dita previamente. Em outras palavras, contradizer é adotar uma fala incoerente e contrária ao que se havia dito anteriormente. É afirmar que “A” é “A” e “não-A” ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Um termo equivalente à contradição, pelo menos na filosofia clássica, é antinomia ­­– literalmente, “contra a lei”.

O que é Paradoxo?

Em nossos dias, até mesmo alguns dicionários conhecidos definem paradoxo como sinônimo de contradição. Ledo engano. Paradoxo tem origem no grego, na junção de duas palavras que significam “o oposto” (para) e “parecer” (dokeo). Literalmente em português, “o oposto do que parece”. Ainda mais importante do que sua definição linguística é seu uso histórico-filosófico. O Dr. R. C. Sproul define corretamente paradoxo como “uma oração que, enquanto verdade, tem aparência de contradição.”[1] Um paradoxo, então, histórica e filosoficamente, é tido como uma idéia profunda e verdadeira, embora, à primeira vista, aparente uma contradição.

Uma explicação mais detalhada sobre paradoxo e contradição.

Consideremos a seguinte frase encontrada nos Evangelhos: “[…] o maior deverá ser o menor” (Lc 22.26). Obviamente, maior e menor são contrários em seus sentidos. Não há como o maior ser o menor. Naturalmente, os dois termos não encaixam devido ao fato de serem antônimos. Entretanto, se assumirmos sentidos distintos e/ou contextos diferentes para as palavras maior e menor, então é totalmente possível que elas nos tragam um sentido muito mais profundo, apesar da aparente contradição.

Se entendermos as palavras exemplificadas acima com seus sentidos corriqueiros e integrando um mesmo contexto, temos, então, uma contradição. Porém, se entendermos que o uso de uma está em um contexto totalmente distinto da outra e que, portanto, as duas formam um sentido profundo, então temos um paradoxo ­– duas idéias (neste caso, palavras), aparentemente contrárias, mas que dão um sentido muito mais profundo à afirmação. É como afirmar que, embora vivos, todos os homens fora de Cristo estão mortos (Ef 2.1-7). Os adjetivos vivos e mortos, aqui, mais uma vez, são utilizados em contextos diferentes – física e espiritualmente, respectivamente.

Os evangelhos contêm uma porção considerável de paradoxos, mas certamente nenhuma contradição. Por exemplo, Mateus relata as palavras de Jesus nestes termos: “Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á.” (Mt 10.39). É evidente que achar e perder são opostos em seus sentidos. No entanto, a diferença de sentido que Jesus dá à palavra vida nestas orações faz com que esta contradição seja somente aparente e que elas se encaixem perfeitamente em um contexto lógico.

Entendemos, portanto, que a chave fundamental para diferenciarmos um paradoxo de uma e contradição é o sentido e/ou o contexto em que as palavras (ou idéias), a princípio contraditórias, assumem na oração. Se Jesus tivesse dito sobre achar a vida e perdê-la no mesmo sentido, isto seria contraditório. No entanto, como dito acima, vida neste contexto tem dois sentidos diferentes, o que torna a frase de Jesus muito lógica e coerente. Enquanto Ele se refere a perder a vida terrena e momentânea, há uma alusão consciente e clara sobre achar a vida eterna. O mesmo se pode dizer de maior e menor, vivos e mortos, supracitados.

Mas, afinal, o que diz a doutrina da Trindade?

A doutrina da Trindade, claramente revelada nas Escrituras, nos ensina que há “um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições” (CFW II.I). Nossa fé afirma com todas as forças a crença em um só Deus, e não em três deuses – como nos acusam alguns maldosos. Cremos em um só ser Divino. Como disse o próprio Senhor: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.” (Dt 6.4, ênfase acrescentada). Todavia, afirmamos, ainda, conforme as Escrituras, que “na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade – Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo” (CFW II.III).

Há um princípio fundamental ensinado em toda a Escritura que comprova que não há contradição na doutrina da Trindade: nós cremos em um só ser Divino, que subsiste em três Pessoas Santíssimas. A doutrina da Trindade faz uma clara distinção entre ser e pessoas. Enquanto afirmamos crer em um único Ser (natureza, substância ou essência) Divino, igualmente mantemos que há três Pessoas na Divindade. Nas palavras do Credo Atanasiano: “[…] a pessoa do Pai é uma, a do Filho é outra, e a do Espírito Santo outra. Mas no Pai, no Filho e no Espírito Santo há uma mesma divindade [natureza Divina], igual em glória e co-eterna majestade.”

Se disséssemos, pois, que Deus é um e três ao mesmo tempo e no mesmo sentido estaríamos sendo contraditórios. Entretanto, em nenhum momento afirmamos crer em um Deus e em três Deuses. Também não afirmamos que Deus é uma Pessoa e três Pessoas.  Quando professamos nossa fé na Trindade, afirmamos a crença em um único Ser Divino, que subsiste em Três Pessoas distintas. Não há contradição nisto, pois um e três assumem diferentes sentidos nesta afirmação: um Ser Divino; três Pessoas co-eternas e co-iguais.

Conclusão

Sem dúvidas, crer em um Deus Triuno pressupõe fé (Hb 11.6). É impossível compreender total e completamente esta doutrina. Nossa fé contém mistérios que nem mesmo em uma eternidade toda conseguiremos compreender e explicar racionalmente, mas que, não por isso, deixam de ser verdades. E muito embora não tenhamos uma mente perfeita que consiga compreender todas estas verdades, o Senhor nos concedeu fé o suficiente para confessarmos toda a sã doutrina como verdades inegociáveis (Ef 2.8; Tt 2.1; Jd 3). Por isso, estudar, refletir, crer e defender as doutrinas fundamentais do cristianismo, que claramente o Senhor nos revelou em sua santa Palavra, é nosso dever como cidadãos do Reino celestial.

Que o Deus Triuno nos ajude nesta nossa missão!

[1] SPROUL, R. C. Defendendo sua Fé: uma introdução à apologética. 3 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 38.

Rafael Almeida. 24 anos, nascido em Passa Quatro – MG. Formado em Redes de Computadores pela Fatec/Cruzeiro – SP. Coordenador dos trabalhos da Igreja Batista Reformada em Passa Quatro – MG. Tem interesse especial em hermenêutica e exegese. Rafael é casado com Ana Cristina.