0


A insatisfação com a impunidade é algo perfeitamente plausível. Manifestarmo-nos contra a injustiça e os desmandos que nos afetam além de um direito que cada um de nós tem, é também um dever. Estes últimos tumultuados meses que temos vivido em nosso país, têm trazido à tona uma das realidades mais promíscuas, obscuras e corruptas de toda a história humana recente. Jamais se viu tanta roubalheira entre os homens, e a percepção desta realidade tem trazido seus efeitos colaterais, que não são poucos, nem simples.

Este breve texto não tem pretensões de entrar no mérito da questão da pena de morte, tampouco fazer apologia à impunidade de pessoas que merecem ser julgadas e punidas no rigor da lei por seus próprios atos. Antes, o texto propõe um autoexame para o coração e um olhar para o problema, a fim de, fundamentados na ética cristã encontrada na mensagem do evangelho, busquemos caminhos mais parecidos com os de Jesus frente ao desafio que temos de nos relacionar com uma sociedade que cada vez mais coloca em nossas histórias pessoas que infelizmente tornaram-se bandidos, criminosos, marginalizados e foras da lei.

Dois pesos e duas medidas.

Como a vergonhosa corrupção de proporções nacionais está escancarada, é natural que muitos de nós estejamos indignados. Essa indignação quando é com base no que é justo, como disse, não só é um direito, mas também é um dever.

Ocorre que existe um sem número de pessoas que extrapolam o âmbito daquilo que é justo. Deixam-se levar pelas emoções, deixam aflorar aquilo que há de pior em si mesmas, e toda essa raiva e revolta, não poucas vezes, redundam em atitudes desequilibradas e injustas. Vivem exatamente o inverso da lógica: um erro não justifica outro.

Existe um lamentável e pernicioso discurso de – perdoem-me o termo – ‘justiçamento’, cada vez mais aflorado e patente na mente de muita gente. Inúmeros casos recentes de barbáries têm acontecido e o triste é que as pessoas estão extrapolando em seus corações a lei do olho por olho e dente por dente. O sentimento de justiçamento é tão grande que o valor da vida humana tem se tornado cada vez mais banal. Expressões como ‘bandido bom é bandido morto’, ‘tá com dó? leva pra casa’, ‘deveriam ter matado mais’, etc., estão presentes no pensamento de inúmeras pessoas atualmente, todavia, o que mais chama atenção, é que boa parte destas pessoas que apoiam e promovem este tipo de fala se diz seguidora de Jesus. Ora, isso é um absurdo!

Seguidores de Jesus?

Reações descontroladas e pautadas no ódio e na vingança da parte de gente que não tem compromisso nenhum com a fé e com a moral cristã são lamentáveis, mas de uma forma ou de outra, são compreensíveis, tendo em vista o estado de escuridão e ódio que uma pessoa dominada pelo pecado pode chegar. Entretanto, alguém que se diz seguidor de Cristo compactuar com esse tipo de coisa é inadmissível. Reproduz apenas o triste eco de uma geração cristã ególatra, que não sabe quem de fato é, não sabe de onde Cristo a tirou, não tem Cristo e este crucificado como Senhor e referência de seu coração, é biblicamente analfabeta e vazia do Espírito Santo de Deus. Meu ponto aqui não é técnico-jurídico, antes trata-se de uma autorreflexão a respeito de quem nós somos diante de Deus.

O X da questão

Ao nos afastarmos e desvalorizarmos o ensino das Escrituras, nos afastamos e desvalorizamos a revelação aberta e direta do próprio Deus a nós. Isso faz com que estejamos distantes da compreensão da verdade de quem nós somos contida na narrativa bíblica, e estejamos próximos a qualquer outra coisa que sem dúvida nos desviará daquilo que é o fundamento da nossa vida: a Palavra de Deus. O fato é, que em grande parte dos casos, não somos convertidos com base numa sólida compreensão da mensagem da Escritura como um todo. Antes, somos convencidos por inúmeras outras coisas que demandam bem menos do nosso cérebro e tomaram a centralidade da revelação bíblica em nosso coração: a música gospel, o pastor ‘x’, o filósofo ‘y’, o livro ‘a’, o movimento ‘b’, a ‘experiência que eu tive’, a ‘revelação do profeta’, não que não existam músicas boas, pastores fiéis, livros bons ou movimentos saudáveis, o problema é que a maior parte do que temos a disposição hoje, possui sérios problemas doutrinários e flagrantes distorções do ensino bíblico, e é exatamente sobre estes problemas e distorções que temos construído nosso edifício de fé.

Soberba da carne x Evangelho de Jesus

O grande desafio de mantermo-nos fiéis à pregação da mensagem cristã encontrada na Bíblia Sagrada tão ignorada hoje em dia, é que ela nos dá um grande tapa na cara, nivelando-nos a todos por baixo! Todos são pecadores! Todos são maus! Todos estão condenados e destituídos da glória de Deus! Pregar essa mensagem cancela todo orgulho, toda altivez, todo mérito. Essa mensagem impossibilita qualquer pessoa da raça humana a se colocar em posição de superioridade diante de quem quer que seja.

O julgamento que Jesus condena é exatamente esse! É o julgamento de quem olha para o outro com ar de superioridade e coração desprovido de amor. Que bate no peito e diz: graças te dou, Senhor, pois não sou como este publicano pecador! É o julgamento de quem pensa não ter a mesma capacidade de cometer pecados tão grandes ou maiores do que qualquer outro ser humano. É o julgamento daquele que não percebeu ainda que nada é, e não aprendeu ainda a gloriar-se apenas e tão somente nos méritos de Cristo. Queremos e até pregamos algumas partes do evangelho que consideramos ‘radicais’, ‘revolucionárias’, ‘loucas’, ‘freaks’, mas essa que diz que distantes de Cristo, somos miseráveis pecadores condenados ao inferno, e de que fomos chamados a amar nossos inimigos, ó não, esta não, esta nós pulamos.

Como pensar e agir?

O julgamento que somos chamados a fazer é segundo a reta justiça, com total fundamento, não em nosso ódio pecaminoso, mas no amor. Se alguém deve ser punido, que seja com todo rigor, contudo, não porque somos melhores, mas porque é justo, e a paz é fruto da justiça. Temos de agir sempre no intuito de sermos fiéis a Deus, na esperança de vermos vidas arrependidas e restauradas pelo poder do evangelho. Nossa ação deve ser fruto de alguém que sabe que nada é, e que chora por ver a própria miserabilidade e a miserabilidade dos que estão ao seu redor. Nosso posicionamento deve sempre ter um norte: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.

Quem se acha superior a quem quer que seja, não sabe quão corrupta é a alma humana e quão capazes somos de fazer o mal. Não sabe quão suja é a lama do pecado de onde Cristo nos tirou. Pergunto: e se fôssemos tratados por Deus com a mesma justiça que vomitamos nas redes sociais contra os nossos semelhantes? Será que não estamos com o coração no lugar errado? Será que não nos está faltando discernimento para entender o coração subversivo daquele que nos ordena a amar nossos inimigos?

Em um tempo de tanta animosidade, tantas discussões, tanta rivalidade e tantas polarizações, somos chamados a ser sal da terra, somos chamados a andar na contramão do sistema e em humildade, agir como pacificadores com base na justiça do Reino. É tempo de buscarmos sabedoria e sensatez para nossos posicionamentos públicos como cristãos. Encerro utilizando-me destas poderosas palavras do apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos:

Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor. Ao contrário: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele”. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.

Romanos 12:19-21 NVI

Justiçamento e vingança não devem fazer parte nem do vocabulário, nem da vida dos cristãos! Seja Cristo o Senhor das nossas mentes, e que Ele nos dê sabedoria e discernimento em nossa forma pública de viver neste mundo caótico e sofrido. Sejamos luz!

Que Deus nos alcance!

 

Lucas Freitas é plantador da Igreja Presbiteriana do Brasil na cidade de Cunha/SP, é formado no SEDEC – Seminário de Desenvolvimento Comunitário pelo CADI Brasil e na Escola Compacta pela Missão Steiger Brasil. Atualmente cursa o sétimo semestre de teologia pela FUNVIC – Fundação Universitária Vida Cristã em Pindamonhangaba/SP.