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Certa vez ouvi dizer que quando um homem se torna conhecido sua fama se espalha, bem como muitos boatos. À medida que ele se torna conhecido, muitos mitos a seu respeito são tidos como se fossem verdades. Pois bem. No capítulo 16 de Mateus, Jesus já era um homem de muitos seguidores. Seus milagres e ensinamentos já se tornavam conhecidos pelas multidões. Curas, expulsões de demônios, multiplicação de alimentos, milagres, profecias e muitos ensinamentos. Tudo isto fazia parte do cotidiano daqueles que O seguiam. As expectativas de todos aumentavam. Uns com interesses particulares; outros por curiosidade apenas; e alguns com sinceridade.

A fama de Jesus

Por isso, muito se especulava a respeito de sua verdadeira identidade. As multidões sabiam que Aquele Homem não era um homem “comum”; Ele era vindo da parte de Deus. Até mesmo um renomado fariseu reconheceu tal fato (Jo 3.2). Contudo, as opiniões sobre sua identidade divergiam. E Jesus sabia disso. É por isso que Ele pergunta aos seus discípulos o que diziam os homens a seu respeito (v.13). “João o Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas” (v.14), foram as opiniões daqueles homens. O fato é que todas estas sugestões eram apenas especulações de homens a respeito de Jesus. Nenhum daqueles homens sabia sua real identidade.

É devido a isto que Jesus torna sua pergunta aos seus discípulos. “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v.15). Acredito que nenhum deles esperava uma mudança de perspectiva tão brusca. Até então eles falavam da crença dos outros. Talvez esperassem um ensinamento de Jesus a este respeito. De repente uma nova parábola. Mas não. Jesus muda o alvo da pergunta. Agora sua atenção está voltada para a fé daqueles que foram escolhidos para serem seus discípulos, que levariam sua Palavra até os confins da Terra. Em outras palavras, Jesus perguntou-lhes: “Dentre tantas opiniões, quem vocês dizem que eu sou?”.

Ele é o Cristo!

Então Pedro, assumindo a liderança do grupo, respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” (v.16). É certo que Pedro não tinha, naquele momento, a “razão da esperança” (1Pe 3.15) que teria anos mais tarde. As duras palavras de Jesus dirigidas a ele na continuação do texto evidenciam isto (Mt 16.23). Ainda assim, sua resposta no verso 16 expressa o mais alto grau da verdade: Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo. Estas palavras permeiam por todo o Antigo Testamento. Toda a Lei aponta para Cristo (Gn 3.15; Rm 10.4). Os Profetas falaram a respeito da vinda do Cristo bendito, o Ungido de Deus (Is 7.14; Is 9.6; Zc 9.9; Mq 5.2).

Pedro entendeu estas palavras. Ele sabia, em alguma medida, que Aquele homem que estava à sua frente era o Messias prometido no Antigo Testamento. Talvez, ele ainda não tivesse entendido que o Cristo de Deus deveria sofrer as mais terríveis dores em favor de Seu povo, como Servo sofredor descrito por Isaías (Is 53.3-12; cf. Sl 22). Seu conhecimento, porém, era verdadeiro, ainda que não fosse perfeito. Por isso, Pedro repreende a Jesus mais adiante quando este falava a respeito de sua morte (Mt 16.22).

O Filho do Deus Vivo!

No entanto, a resposta de Pedro não para por aí. Pedro sabe que Jesus não era apenas “o Cristo”; Ele é, também, “o Filho do Deus vivo”. Estas palavras foram expressas pelo próprio Deus, registradas em Mateus 3.17: “Este é meu Filho amado, em quem eu me comprazo”. Dias mais tarde, o Deus vivo diria novamente estas mesmas palavras (Mt 17.5).

Ele é o Filho eterno de Deus. Ele é a imagem exata do Ser Divino, a imagem do Deus invisível (Hb 1.3; Cl 1.15). Nele habita, corporalmente, a plenitude da divindade (Cl 2.9). Ele e o Pai são um (Jo 17.11,22).

Então, Jesus olha para Pedro e o chama de bem-aventurado. Este é um termo que os teólogos têm traduzidos de várias formas. Ao que me parece, este termo tem o sentido de uma felicidade que não depende das circunstâncias. Todavia, a bem-aventurança de Pedro não está ligada ao que ele fez, mas ao que o Pai fez através dele. Pedro é um homem muito mais que feliz porque o Pai escolhe revelar a Verdade a ele (v.17). Ele é, em outras palavras, um receptáculo da bondade e da misericórdia do Pai, que escolhe mostrar-lhe a verdadeira identidade de Jesus, Seu Filho. Sua resposta não vem da carne e do sangue, mas de Deus. A confissão de Pedro, portanto, não é uma confissão humana; ela nasce das palavras de Deus. Pedro diz aquilo que o Pai diz, isto é, que Jesus é o Filho de Deus.

Filho de Jonas x Filho do Deus Vivo

É interessante notarmos, ainda, que Jesus faz um joguete de palavras. Enquanto a resposta de Pedro à sua pergunta é que Ele é “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (v.16, ênfase acrescentada), Jesus responde chamando-o de “Simão, filho de Jonas” (v.17, ênfase acrescentada). Há um contraste proposital enorme aqui. Para simplificar, a conversa pode ser vista em termos de filiação: o Filho do Deus vivo e o filho de Jonas. É o Filho eterno de Deus indagando o filho de Jonas. Ao passo que o pai de Pedro é deste mundo e habita em uma casa feita por mãos humanas, Jesus diz, o “meu Pai […] está nos céus”. (v.17, ênfase acrescentada).

Assim, podemos concluir que as palavras ditas por Pedro têm origem nos céus, onde o Pai está. Aliás, Jesus diz exatamente isto a Pedro no verso 17. As palavras ditas por Pedro foram reveladas por Deus, que está nos céus, e não pelos homens. Não foi o muito estudar que mostrou a Pedro a identidade de Jesus, mas a vontade do Pai que fez Pedro enxergar que, à sua frente, estava o Filho de Deus. Em outras palavras, a teologia de Pedro tem origem na Palavra revelada de Deus, e não em filosofias humanas. A verdadeira identidade de Jesus não é formada pela opinião popular, mas pela Palavra de Deus.

Deus e Sua Palavra detêm a resposta final

Os homens têm várias opiniões a respeito de Jesus – Elias, João Batista, Jeremias ou outro profeta. Ainda hoje, os homens dizem muito a respeito de quem é Jesus. Para alguns Ele é apenas um profeta; para outros Ele é um líder; outros preferem vê-lo como um revolucionário; ainda há quem O veja como um mestre do amor – ainda que este “amor” esteja vazio de moralidade. Entretanto, é Deus que tem a Palavra final. Em outras palavras, as opiniões humanas a respeito de Jesus só tem valor se forem vindas da Palavra de Deus. A nossa teologia, assim como a de Pedro, deve nascer da revelação Divina.

É destas palavras, dentre muitas outras, que a Igreja, séculos mais tarde, expressou as palavras que hoje compõem os nossos credos. O credo apostólico, por exemplo, diz que “cremos em Jesus, seu [de Deus] único Filho”. O credo Niceno expressa nossa fé em Cristo desta forma: “Creio […] em um só Senhor, Jesus Cristo, o unigênito de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, de uma só substância com o Pai”.

Concluo, pois, que toda “teologia humana” é uma teologia deficiente. Toda opinião dos homens sobre assuntos eternos são loucura para Deus (1Co 1.19-21; 2.6) Nossa teologia deve nascer em Deus, na Sua Palavra eterna. É a Palavra de Deus que guia nossa fé. É Ele quem dá razão às coisas que cremos. Nossa fé deve estar alicerçada na Palavra de Deus – revelada, inspirada, registrada e preservada nas Escrituras Sagradas. É lá que encontraremos a fonte divina para falarmos sobre Deus, salvação, o homem, pecado, Cristo… É isto que os reformadores queriam dizer com Sola Scriptura!

Rafael Almeida. 24 anos, nascido em Passa Quatro – MG. Formado em Redes de Computadores pela Fatec/Cruzeiro – SP. Coordenador dos trabalhos da Igreja Batista Reformada em Passa Quatro – MG. Tem interesse especial em hermenêutica e exegese. Rafael é casado com Ana Cristina.