Sábado após sábado milhões de jovens se reúnem em suas igrejas para cultuar a Deus. E algo a ser notado é que os cultos de jovens estão cada vez mais diversificados. Você pode encontrar cultos de todos os estilos, desde os mais tradicionais até aqueles que focam em determinado tribo ou nicho de jovens. Um fato marcante o principal fator dessa diversidade é que as igrejas têm utilizado o culto de sábado a noite como isca para atrair os jovens “de fora” e manter os “de dentro”. Você já deve ter ouvido falar, visitado ou até participado de “cultos-boate”, cultos em formato de teatro, talk shows, com gincanas antes da pregação, sem pregação, com pastores fantasiados, apresentações de dança, com festival de bandas, torta na cara e momentos de reflexão e emoção com a luz apagada. As estratégias estão cada vez mais criativas.

Não vou perder muito tempo criticando essas práticas. A crítica já está até batida. Inclusive, foi uma luta achar uma boa imagem no Google para um culto de jovens. Sugiro esse desafio: procure por “culto de jovens” e conte quantas imagens de jovens cantando e pulando diante de um palco luminoso em comparação com quantas imagens com jovens ouvindo uma pregação… Mas melhor do que apontar erros individuais e isolados é apresentar a verdade que identifica e combate todos os erros de uma vez só. O que quero propor é o seguinte: vamos descobrir na Palavra de Deus como deve ser um culto de jovens. Farei isso de forma resumida em duas partes. Nessa primeira vamos focar na parte mais doutrinária e deixarei questões mais práticas para a segunda. Meu objetivo é esse: que nós jovens cultuemos a Deus como ele gosta e requer ser cultuado.

Existe um padrão correto?

A primeira objeção que surge contra a ideia de que existe uma forma correta de cultuar a Deus é a defesa da liberdade cristã. O texto bíblico usado para defender uma liberdade espiritual no culto cristão é o de 2 Coríntios 3.17: “…onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade”. Com essa frase de Paulo muitos argumentam que não há uma norma que padronize como deve ser o culto cristão, pois o Espírito tem liberdade de agir de diversas formas, até mesmo naquelas que parecem estranhas aos homens.

Bem, aqui temos um problema básico de interpretação, um texto fora do seu contexto. Uma regra basilar da hermenêutica é a de que todo texto precisa ser interpretado a luz do seu contexto. Usar versículos, frases e expressões bíblicas soltas é uma prática perigosa. Dito isso podemos extrair o verdadeiro significa do texto. Paulo está falando sobre o véu que está encobrindo a mente dos judeus (3.14). Quando o antigo testamento era lido eles não compreendiam a verdade, pois havia um véu (símbolo aqui para cegueira ou incapacidade espiritual) em seus corações (3.15). Então Paulo afirma que a conversão retira esse véu (3.16) e que o agir do Espírito atua nos convertidos para dar a liberdade para entender a Palavra e a vontade de Deus (3.17)

Esse é um texto soteriológico. Não há nada nele sobre o culto, apenas sobre regeneração e conversão. Somos livres do véu do pecado para entender e obedecer a Palavra de Deus, não para fazermos coisas estranhas a ela. Precisamos entender a liberdade cristã como a liberdade para fazermos aquilo que fomos feitos para fazer, não para fazermos o que quisermos fazer. Portanto, vamos ver agora nas escrituras como Deus se importa com a forma de cultua-lo.

O culto no Antigo Testamento

Selecionei três exemplos, entre muitas, para mostrar como Deus se importou como a forma de culto no antigo testamento. A primeiro deles está no decálogo. O segundo mandamento diz o seguinte: “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor teu Deus…” (Êxodo 20:4,5). Deus está sendo claro que, ao contrário das outras culturas e religiões, não deveria haver nenhuma imagem de ídolo no culto judeu.

O segundo exemplo está diretamente ligado ao primeiro. Israel tentou prestar culto de uma forma diferente à aquela que Deus instituiu. Fizeram então uma imagem de bezerro em ouro e foram repreendidos veementemente por Deus: “Muito depressa se desviaram daquilo que lhes ordenei e fizeram um ídolo em forma de bezerro… Deixe-me agora, para que a minha ira se acenda contra eles, e eu os destrua” (Êxodo 32.8,10). Ainda encontramos em nosso terceiro exemplo, Deus instituindo como o tabernáculo (local de culto) deveria ser construído (Êxodo 35) e posteriormente Deus instituindo toda a liturgia (ordem de culto) que o povo deveria realizar (Levítico 1-8). Fica claro que Deus sempre ensinou ao povo que Ele se importava com a forma de culto.

O culto no Novo Testamento

No novo testamento Deus continua importando-se com a maneira que o cristão deveria cultua-lo. Dois exemplos são importantes para nosso estudo aqui. O primeiro deles é a famosa passagem em que Jesus conversa com a mulher samaritana no capítulo 4 do evangelho de João. Ali Ele diz algo importante sobre adoração: “Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João 4.24). Encontramos Jesus instituindo dois padrões aqui. O ponto é: que padrões são esses? Muitos afirmam que “espírito” e “verdade” querem dizer no Espírito Santo e com sinceridade. Penso que essa é uma interpretação reducionista.

Pelo contexto percebemos que Jesus está dizendo que o local não mais importa (4.21). O local exclusivo de culto do AT foi extinto em Jesus, mas o padrão de culto continua. Quando Cristo fala que Deus é Espírito e requer adoração em Espírito Ele está falando sobre o culto que não requer elementos materiais, como as imagens que haviam no culto em Samaria. A adoração é uma ação espiritual e não depende e nem deve estar focada em elementos materiais como o templo, instrumentos, holofotes, etc. John McArthur (Adoração, 2014) enumera alguns pontos sobre essa verdadeira adoração em espírito:

  • Salvação – necessitamos do Espírito Santo para adoramos a Deus.
  • Centralidade em Deus – Nossos pensamentos devem estar em Deus.
  • Coração íntegro – Nosso ser precisa estar focado em Deus de forma inabalável.
  • Arrependimento – A verdadeira adoração é fruto do verdadeiro arrependimento.

McArthur (2014, p. 197)complementa nos lembrando que o principal obstáculo para a adoração é o ego. Em suas próprias palavras, “esse é o principal obstáculo à adoração em espírito – alguém colocar suas necessidades, seus benefícios e suas bênçãos acima de Deus”.

Quando Ele diz que os samaritanos adoram o que não conhecem isso nos leva a entender que a verdade está relacionada ao verdadeiro conhecimento de Deus. Saber quem Ele é nos levará a saber como Ele deseja ser adorado. Fica claro, portanto, que Cristo dá uma grande importância à forma de adoração e culto. Além disso, podemos perceber que a adoração só é possível para o verdadeiro crente. O culto é realizado, então, para Deus e para o povo regenerado de Deus. Não há sentido bíblico em preparar cultos focados nos incrédulos.

O segundo exemplo está no capítulo 14 da primeira carte de Paulo aos coríntios. Não vamos entrar em cada detalhe, mas esse é um capítulo em que Paulo oferece instruções normativas para o culto. O apóstolo trata sobre o dom de línguas e do papel da mulher. Aqui temos um caso claro que existe uma forma de cultuar errada, que Paulo está combatendo, e uma forma correta, aquela que Paulo está instruindo. O versículo chave do capítulo é o 33: “Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz. Como em todas as congregações dos santos”. O contexto é o culto, e aplicação da ordem e da paz é para todas as igrejas. Em outras palavras, Deus gosta e institui uma boa ordem para o culto, o que chamamos também de liturgia.

Liturgia é uma palavra feia para muitos cristãos, principalmente entre os jovens. Logo vem algo chato, enfadonho e católico a cabeça. Não podemos deixar uma concepção errada roubar a preciosidade da liturgia. Daniel Darling escreveu algo importante:

“Para alguns evangélicos, a palavra “liturgia” evoca um tradicionalismo abafado em desacordo com a fé genuína em Cristo. Mas cada igreja tem uma liturgia, uma maneira de ordenar o seu culto de adoração. E a liturgia de cada igreja comunica muito sobre o que ela valoriza.”

Nenhuma igreja pode escapar. Todo culto tem uma liturgia. A questão é: a sua é bíblica?

O principal propósito da igreja

Um argumento a mais precisa ser adicionado para pensarmos sobre a importância de uma forma correta de cultuar a Deus. E este é o argumento: o principal propósito da igreja é a adoração a Deus, ou seja, prestar culto a Ele. Foi para isso que o homem foi criado (Is 43.7) e foi para isso que a igreja foi escolhida e redimida (Ef 6.6,12,14). Mark Dever (Igreja Intencional, 2015, p. 102) fez a seguinte pergunta: Seria Deus tão leviano que entregaria o resultado de sua obra redentora às imaginações de um povo idolatra?”. Creio que não. Se o culto de adoração corporativa é a principal atividade da igreja, Deus nunca o deixaria sem o seu direcionamento santo, sábio e divino. Leland Ryken cita o puritano Richard Cox:

“Sou da opinião de que todas as coisas na igreja deveriam ser puras, simples e afastadas o mais longe possível dos elementos e pompas deste mundo” (Santos no Mundo, 2013, p. 193).

Deus com certeza não deixaria o principal propósito que ele deu ao homem nas mãos de nossos corações enganosos e mentes pervertidas. A adoração é importante demais para ser regulada e entregue aos caprichos de criaturas caídas. Até mesmo no ambiente pré-queda foi Deus quem instituiu a forma de serviço e adoração que o homem desempenharia. É o rei quem determina a forma como seus súditos deverão se achegar até ele, nunca o contrário. Então minha pergunta é a seguinte: em torno de quem o culto de jovens deve ser planejado? Sei que todos responderiam “em Deus”, mas se sua ideia é a de que o culto precisa principalmente agradar os jovens incrédulos para que eles se sintam atraídos e persuadidos a ficarem, então sua resposta não é essa. Um culto planejado segundo os gostos dos incrédulos não honra a Deus e nem mesmo pode ser chamado de culto. Seria mais apropriado chama-lo de ação de marketing.

 “Sola Scriptura”

Se Deus revela de forma clara e bem definida a maneira como devemos cultua-lo isso só pode estar revelado na Bíblia. Nesse ponto o conceito de Sola Scriptura (somente a Escritura) nos ajudará bastante a definir uma liturgia cristã correta. Calvino e os puritanos focaram demais nesse ponto: somente as Escrituras podem determinar e influenciar a forma pela qual adoramos e cultuamos a Deus. Eis aqui uma citação do grande reformador que vale a pena ser destacada:

“Sei como é difícil convencer o mundo de que Deus desaprova todas as formas de adoração que não são expressamente sancionadas por sua Palavra. A convicção oposta, que se agarra a eles – estando, por assim dizer, em suas entranhas – é de que qualquer coisa que façam recebe boa aprovação, desde que exiba algum zelo para a honra de Deus. Mas, visto que Deus considera não apenas infrutífero, mas também absolutamente abominável qualquer coisa que, por motivo de zelo, façamos para adorá-lo, porém e desacordo com seu mandamento, o que ganhamos se seguirmos o caminho contrário? As palavras de Deus são claras e inconfundíveis: “obedecer é melhor do que oferecer sacrifícios”; “em vão me adoram ensinando doutrinas que são preceitos humanos” (1 Sm 15.22; Mt 15.9). Todo acréscimo a sua Palavra, especialmente nesse assunto é uma mentira.” (Teologia Puritana, 2016, 940)

A ideia é a de que a Escritura e somente a Escritura devem regular os cultos cristãos. Somente os elementos apresentados na Palavra de Deus podem fazer parte do culto público nas igrejas Cristãs.  Os puritanos chamavam essa regra de “princípio regulador do culto”. Uma rápida explicação sobre esse conceito é importante. Temos duas expressões históricas que precisam ser diferenciadas.

Princípio regulador do culto: seus defensores afirmavam que somente aquelas práticas claramente afirmadas nas Escrituras poderiam fazer parte do culto. As demais práticas deveriam ser evitadas.

Princípio normativo do culto: seus defensores afirmavam que as práticas que não eram claramente proibidas nas Escrituras poderiam fazer parte do culto.

Por toda a preocupação de Deus com a forma de culto e a importância que a adoração tem na vida da igreja, estou certo de que o princípio regulador do culto faz mais sentido para a vida da igreja, além de valorizar e demonstrar o sola scriptura. Creio que Deus não deixaria um assunto tão importante às cegas e solto para decisões invenções humanas. John Owen foi um importante defensor do princípio regulador. No seu Catecismo Maior Owen pergunta e responde:

“Como, então ficamos sabendo quais são os meios e os métodos da adoração a Deus? Somente na Palavra escrita e por meio dela, a qual contém uma revelação completa e perfeita da vontade de Deus quanto à totalidade da sua adoração e a tudo que diz respeita a ela.” (Teologia Puritana, 2016, 944)

Estou convicto que a santidade do culto requer uma forma santa de culto. E que somente um ser totalmente santo poderia pensar e instituir essa forma totalmente santa. Abrir espaço para elementos humanos é abrir espaço para elementos perigosos que não vieram da mente santa de Deus. Ele é quem melhor sabe como Ele mesmo deve ser cultuado.

Conclusão

Na segunda parte voltaremos ao princípio regulador para falar sobre os elementos de culto autorizados pela Bíblia e em outros aspectos práticos, onde também colocarei minha opinião pessoal. Para encerrar ainda preciso responder à pergunta do nosso título. Você pode estar pensando que falei apenas do culto em geral e não diretamente do culto de jovens. E essa foi realmente minha intenção. Quero que fique claro o seguinte: o culto de jovens não tem nem a necessidade e nem a liberdade para ser diferente dos outros cultos que a igreja possa realizar. E claro, estou falando dos elementos de culto, não dos detalhes do culto. Falarei mais disso na segunda parte.

Nós jovens temos um desejo de ser diferentes. Muitos ministérios de jovens têm na sua ideia principal a vontade de ser o ministério mais descolado da igreja ou da cidade. Temos a ânsia por inventar algo novo, que ninguém mais faça, de inovar e atrair mais pessoas. Queremos ser diferentes dos adultos, ter outros elementos e elementos mais empolgantes e divertidos. Queremos ser diferentes até de Deus e da sua forma de adoração. O jovem busca autenticidade, mas esquece que ser um cristão autêntico não é ser quem ele acha que realmente é, mas quem Deus quer que ele seja. Da mesma forma acontece na adoração.

O chamado da igreja e do jovem é para ser diferente do mundo e não dos preceitos bíblicos normativos para a igreja. O cristianismo não é uma busca por novidades e inovações. Temos um livro milenar autoritativo e seguimos suas regras e tradições instituídas pelo autor divino. Por mais que nossa mente jovem pós moderna chore de raiva, existe um maneira correta de adorar sim! Deus se importa e muito com isso. Ao contrário do grande engano que rodeia o coração e a mente do jovem, o culto não é sobre nós, nem gira em torno das nossas vontades. E isso deveria servir de lição para o resto da vida. O culto de jovens deve ser como qualquer outro culto cristão: bíblico, santo, simples, litúrgico e alegre. Negar a liturgia de Deus e cultua-lo segunda as nossas próprias liturgias é o pior tipo de idolatria, a idolatria do eu.

Pedro Pamplona é casado com Laryssa e formado em administração pela Faculdade 7 de Setembro (Fortaleza/CE), pós-graduado em Estudos Teológicos pelo Centro Presbiteriano Andrew Jumper (São Paulo/SP) e estudante do Sacrae Theologiae Magister (Th.M) em Teologia Sistemática do Instituto Aubrey Clark (Fortaleza/CE). Serve integralmente como líder de jovens na Igreja Batista Filadélfia, em Fortaleza.