0

Não tenho tempo para nada!

Uma frase muito comum nos dias atuais é a seguinte: “Estou sem tempo para mim, estou sem tempo para nada.” A grande ironia contida nesta frase é que geralmente ela é dita por pessoas que decidiram, intencionalmente, preencher suas respectivas agendas com uma quantidade tão exacerbada de compromissos que, como consequência inevitável, tornaram suas próprias vidas complexas, ramificadas e cheias. E ainda assim, desejam que tudo desacelerasse um pouco e se tornasse mais simples. Impossível.

Acesso a quantidade de informações sem fim, globalização, tecnologia acessível, conectividade em alta velocidade, todas essas “facilidades” possuem um preço: a vida se tornou mais complexa. E nesta busca incessante de aproveitar cada segundo, pois afinal “a vida é curta”, a geração atual tem sido consumida por uma agenda que insiste afirmar que 24 horas já não são mais suficientes.

O resultado, seja a curto ou a longo prazo, é certo: a conta chega para todos.

Vidas complexas se desenvolvem em vidas desestruturadas.

Me assustei recentemente com a notícia de que seis casos de tentativas de suicídio foram registrados entre alunos do quarto ano de medicina da USP[1]. Dentre as várias causas de angústias dos alunos citadas pelo Instituto de Psiquiatria da USP, uma delas me chamou a atenção: todos reclamam que não há tempo suficiente para atividades que não estejam ligadas ao mundo médico. A complexidade das agendas estão arruinando vidas diariamente.

Jovens que antes aspiravam com a tão sonhada faculdade de medicina estão desanimando e desistindo não apenas da profissão, mas da vida. Sem conseguir avistar uma possibilidade de vida simples a sociedade tem adoecido com o que eu chamo de esgotamento da complexidade.

Está mais do que na hora de revermos as nossas agendas, administrar o nosso tempo com discernimento, de modo que saiamos de uma vida complexa e bagunçada para uma vida simples, com margem e sustentável.

Identificando o problema

Albert Einsten disse certa vez que a “falta de tempo é desculpa daqueles que perdem tempo por falta de método”. Ora, a maioria dos palestrantes especialistas em gestão de tempo afirmam que não existe a “falta” de tempo, mas sim o “mau uso” do tempo. E a pergunta que nos move pode ser esta: no que a geração atual tem investido tempo? Ou melhor: quais são as suas prioridades?

No pastorado, cada vez mais tenho ouvido frases do tipo: “Eu queria mais tempo com a família, ou, eu não tenho tempo para lazer, ou ainda, não tenho tempo nem para descansar direito”. E quando pergunto sobre as agendas de compromissos, percebo que são inseridas cada vez mais atividades profissionais como cursos, um segundo emprego, uma especialização, entre outras atividades, de forma que a vida familiar, descanso, lazer e, principalmente, vida com Deus não se revelam como prioridades na agenda da sociedade pós-moderna.

Se o problema não é falta de tempo, então estamos diante de um caso clássico de falta de planejamento e decisões equivocadas no que se refere a prioridades.

Certa vez Jesus Cristo disse que por mais que alguém se preocupe diante do espelho, não pode acrescentar nenhuma hora que seja à sua vida.[2] Ou seja, por mais que alguém deseje que o tempo acelere ou diminua, ele faz aquilo que deve fazer: o tempo continua passando.

Jesus com toda a simplicidade e profundidade nos chama para uma vida simples com margem e sustentável.

Encontrando a resposta

No texto de Lucas 10.38-42 encontramos uma narrativa belíssima que trata a respeito de investimento saudável de tempo. Nos textos bíblicos encontramos várias referencias sobre a amizade que Cristo Jesus tinha com a família de três irmãos, Maria, Marta e Lázaro.[3]

E lá está Jesus chegando novamente a este doce lar para estar com essa família tão querida, porém no meio da narrativa percebe-se que Marta decide correr por todos os lados da casa arrumando cada detalhe para a melhor recepção do Mestre. Preocupada com a arrumação da casa, bem como a preparação de uma boa refeição, Marta está ocupada com muito serviço enquanto sua irmã está sentada aos pés do Senhor, ouvindo a sua palavra.

Obviamente não podemos negar que em Marta havia um desejo bom, mas ela fez uma escolha desacertada. Isso é perceptível quando, ao reclamar com Jesus, Ele a repreende não porque estava cozinhando, não porque ela estava sendo hospitaleira, não porque ela não tivesse fé, mas sim porque ela estava investindo seu tempo de forma equivocada.

Enquanto Maria estava ouvindo as palavras do Senhor, o narrador informa que Marta estava “ocupada”,[4] uma palavra que faz toda a diferença na narrativa, pois o mesmo verbo grego περισπάω (perispao) pode ser traduzido nesta narrativa como “distrair”. Ou seja, Marta estava distraída daquilo que realmente importava para a sua alma,

naquele momento importante a sua atenção não estava onde deveria estar, seus olhos não estavam fitos para o alvo, seus ouvidos não estavam atentos ao doce som da vida e a sua preocupação estava fora do foco prioritário para a vida plena: Jesus Cristo.

Diante deste cenário, Jesus a repreende em três movimentos e tal advertência se aplica perfeitamente para nós que temos nos perdido em meio a complexidade da vida.

Menos é mais

  • Marta! Marta!

Ao chamá-la pelo nome, e duas vezes, Jesus comunica a sua amizade e carinho por essa família. Nesta advertência amorosa, o Mestre demonstra que as preocupações de Marta são boas, porém estão fora de foco. “Marta! Marta! Menos é mais, chega de tanta complexidade. Eu estou aqui!”

Como é real o sentimento de autojustificação que nos invade quando estamos investindo em coisas “boas”, não é verdade?! Parece que sempre temos ótimas desculpas para continuarmos com nossas agendas complexas e perfeitas. Como somos parecidos com Marta!

Até que chega um momento em que Jesus nos chama pelo nome e revela que precisamos realinhar nossas vidas. Ele nos diz: menos é mais.

Esperar é caminhar

  • Você está preocupada e inquieta com muitas coisas.

“Marta, espere um pouco! Você está ansiosa e preocupada[5], esperar é caminhar, deixe um pouco a arrumação da casa, espere, fique calma e visualize a situação.”

É exatamente a preocupação exagerada que produz a inquietação, e que por fim, gera a ansiedade. Sabemos que viver imerso em ansiedade é perder a vida.

Jesus diz: Pare! Pare de complicar as coisas e desfrute da vida plena.

Esperar nunca foi sinônimo de retroceder, pelo contrário, esperar é contar com a ação de Deus em nossas vidas, esperançar-se no que é verdadeiro, bom e eterno.

Esperar é dizer não até para coisas que são boas para a sua vida, mas que neste exato momento em que você se encontra não são prioridades.

Ele nos diz: esperar é caminhar.

Ouvir é crescer  

  • Apenas uma coisa é necessária.

Maria escolheu a boa parte, uma coisa é necessária: ouvir as palavras de Jesus! Aqui Cristo Jesus afirma o simples para Marta, passar tempo com Ele, desfrutar de sua presença, olhar para Jesus, aprender com Jesus.

Somente quando conseguimos compreender que existe a necessidade de realinharmos as nossas vidas complexas é que percebemos a importância de focar no que realmente importa. Como resultado, descobrimos que a vida pode não ser complexa e superficial, mas sim profunda e simples quando estamos caminhando com Jesus.

Uma importante lição recebemos, se você não tem tempo para ouvir as palavras de Jesus então você nunca desenvolverá a sua caminhada com Ele, pois você deixou a simplicidade de crescer ouvindo as palavras do Mestre para viver na complexidade que conduz ao distanciamento do Eterno.

Ele nos diz: ouvir é crescer.

Conclusão

Ao se preocupar com o banquete que iria oferecer a Jesus e seus amigos, Marta estava perdendo um preciosíssimo tempo com o banquete que Jesus estava oferecendo ao seu coração.

Jesus não envia Maria para a cozinha, mas afirma que ela fez a escolha certa, priorizou aproximar-se das palavras que Ele profere e de sua presença.

Nestes tempos complexos e de agendas superlotadas, lembre-se que tudo o mais, por mais importante que seja, é secundário. Jesus oferece algo primordial: relacionamento com Ele.

Menos é mais, esperar é caminhar e ouvir é crescer. O objetivo da vida simples não é apenas diminuir o stress e gerar tempo, mas a prioridade é aproximar os nossos corações em direção ao coração do Eterno.

E o caminho para isso… bom, você sabe quem é o único caminho verdadeiro e vivo. Portanto, invista tempo no que realmente importa: passe tempo com Jesus.

E que o Eterno nos abençoe na certeza de que todas as coisas ficarão bem.

Lacy Campos é casado com Junia e pai da Bella Hadassa, pastor na Igreja Presbiteriana de Leme/SP; graduado em Direito; Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul; Mestrando em Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Um discípulo trilhando a jornada espiritual e que acredita que, em Cristo Jesus, todas as coisas ficarão bem.

 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2017/04/1874794-medicina-da-usp-se-mobiliza-apos-tentativas-de-suicidio.shtml

[2] Mateus 6.27 [NVI]

[3] O Evangelho de João narra, de forma mais enfática, esse relacionamento de amizade.

[4] Tanto a NVI, quanto a ARA e a NVT traduzem o verbo grego para “ocupada”.

[5] Jesus utiliza outros dois verbos gregos para ansiedade e inquietação, μεριμνάω; θορυβάζω