Questões como: “Deus realmente existe?” ou: “podemos conhecê-lo de fato?”, ou ainda: “que ligação há entre Deus e o universo criado?” ocupam a mente humana desde muito tempo. Em busca de responder estas e outras perguntas, o ser humano se enveredou por caminhos obscuros. Até entre as civilizações mais remotas há alguma crença em uma (ou mais) divindade, seja ela chamada de “deus” ou não. O fato é que tentar julgar, pela nossa experiência, a existência de um ser infinitamente superior a nós é uma tarefa pesada demais.
Por isso, várias teorias e religiões têm sido formadas, a fim de tentar responder a cada uma dessas perguntas. Ateus, agnósticos, politeístas, panteístas, monoteístas, deístas, dualistas, antropoteístas, panenteístas, e outros têm sugerido as mais diversas explicações, apresentando, de alguma forma, velada ou explícita, o seu deus. As mais vagas e etéreas ideias a respeito de Deus são criadas. Alguns se esforçam por cauterizar a própria mente, negando a existência de Deus; outros criam deuses à sua imagem e semelhança.
Por haver tamanha importância no assunto, ao longo da história vários teólogos e filósofos já se aventuraram nesta árdua investigação. O fruto disso é que inúmeros argumentos têm sido desenvolvidos para evidenciar a fé teísta, especialmente a fé cristã. O argumento moral, cosmológico, teleológico, do consenso universal, dentre outros, testemunham acerca da fé cristã. Todavia, todo este material já produzido só tem real valor se construído sobre o firme fundamento das Sagradas Escrituras. Desta forma sim, este deve nos fazer cair de joelhos diante de tamanha grandiosidade do único Deus.
Apesar de reconhecermos o valor destes argumentos e louvarmos a Deus por eles, nós, cristãos reformados, não tentamos, com raras exceções, provar a existência de Deus através destes argumentos, pois cremos que são insuficientes para levar o homem à fé. Cremos que somente através da revelação especial, inspirada e revelada nas Escrituras, operada pelo Santo Espírito no coração do ouvinte, é que este passa a crer e confiar-se a Cristo Jesus. Pois está escrito: “A fé vem pelo ouvir e o ouvir pela Palavra de Deus” (Rm 10.17).
Embora a Bíblia não tenha como foco convencer o incrédulo de que Deus exista, para o cristianismo a existência de Deus é um assunto da mais alta importância. Aliás, não há cristianismo sem a crença em Deus. Isto se torna claro logo no primeiro verso de toda a Escritura: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). O Texto Sagrado é iniciado falando de Deus. O autor, aqui, parte da premissa de que Deus existe de fato e que Ele é o arquiteto, criador e sustentador do universo, que faz todas as coisas segundo o conselho da Sua vontade. Sua intenção principal não é provar a existência de Deus. Deus existe.
Neste pequeno verso de Gênesis, o autor demonstra, pelo menos, cinco características a respeito do Senhor. A primeira é que Ele existe. O autor do texto não tem dúvidas de que nosso Deus é real, vivo e verdadeiro. A segunda característica no texto é que Ele é único. O autor fala a respeito de um Deus apenas, e não de vários deuses. A terceira é que Deus é o arquiteto do universo, e que todas as coisas foram criadas de acordo com o Seu propósito. Mais tarde o autor da carta aos Hebreus entendeu isto (Hb 11.10). A quarta particularidade é que Deus é o criador de todas as coisas. Nosso Deus demostra seu poder e glória em meio à criação. A quinta característica que o autor aponta é que o Criador não se confunde com a criação.
E embora o Criador e a criação sejam diferentes, é evidente que a criação glorifica o seu Criador. Basta olharmos ao nosso redor e perceberemos que existe Alguém maior que nós. Há um senso no homem de que existe uma Divindade (Rm 1.18). As obras de Suas mãos demonstram Seu poder. O apóstolo Paulo nos ensina isto em Romanos 1.18-32. As coisas criadas, escreve Paulo, revelam os atributos invisíveis de Deus, bem como seu eterno poder e divindade (Rm 1.20). Deus se revelou através de toda Sua criação. O problema é que o coração do homem se obscureceu diante de tal revelação, preferindo adorar a criatura ao invés do Criador (Rm 1.21-25).
Esta revelação, chamada de revelação geral ou universal, não tem caráter salvífico, pois os homens “detêm a verdade em injustiça” (Rm 1.18), mudando “a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem do homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis” (Rm 1.23) trocando “a verdade de Deus pela mentira” (Rm 1.25). Esta revelação, portanto, é insuficiente para a salvação, pois não revela a mensagem do Evangelho (Rm 1.16,17). Mas, então, qual sua serventia? Deixar inescusável o homem diante do Deus santíssimo (Rm 1.21-25).
É devido a isto que o argumento dos escritores bíblicos faz necessário fé para crer em Deus. O autor aos Hebreus, por exemplo, diz que “sem fé é impossível agradar a Deus; porque é necessário que aquele que se aproxima dele creia que Ele exista e que é galardoador dos que O buscam” (Hb 11.6, ênfase acrescentada). O texto de Romanos 10.17 diz que a fé nasce em ouvir a proclamação da Palavra de Deus. Em outras palavras, toda crença humana que não nasce através da operação Divina nos corações ao ouvir a mensagem do evangelho não retrata a verdadeira fé. A verdadeira fé, que é salvífica, diz Paulo, nos é dada por Deus para que a glória seja somente dEle (Ef 2.8).
As crenças dos homens tem um valor de superstição, engano e mentira diante de Deus. Não há verdadeira fé no homem, senão aquela que nasce da ação sobrenatural do Espírito mediante a proclamação da Verdade. É a fé que nos faz entender a Palavra de Deus como ela é e crer nela de todo nosso coração, alma e pensamento. É somente “pela fé”, diz o autor de Hebreus, que “entendemos que o universo foi criado pela Palavra de Deus” (Hb 11.3), como diz em Genesis 1.1. A Palavra de Deus está revestida da autoridade do próprio Deus. E a capacidade de crer de fato em toda revelação divina é dom de Deus (cf. Ef 2.8).
É olhando para a Palavra de Deus que a Confissão de Fé de Westminster (CFW), que é a confissão de fé mais completa já escrita pela Igreja, afirma a existência de Deus nestes termos: “Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições. Ele é um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, – onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável. É cheio de amor, gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o buscam e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado.” (CFW II.I).
Todas estas afirmações a respeito de Deus supracitadas podem ser conferidas nas Escrituras e/ou inferidas diretamente delas. Por exemplo, quando a CFW afirma que “há um só Deus vivo e verdadeiro”, nós podemos conferir sua referência: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6.4, ênfase acrescentada). Ou então, dizeres como Deus “é imutável”, citados também na CFW, podem ser corretamente inferidos de Sua perfeição e, também, conferidos em Sua Palavra: “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos.” (Ml 3.16, ênfase acrescentada).
Nossa missão diante deste mundo caído, portanto, é erguer a nossa voz em meio a tantas cosmovisões e declarar, no poder do Espírito, que cremos em um único e verdadeiro Deus (Dt 6.4), distinto da criação (Gn 1.1), que é Espírito (Jo 4.24), vivo (Hb 10.31), santo (Is 6.3), amor (1 Jo 4.8), luz e fiel (1 Jo 1.5,9; cf. Jo 1.9), misericordioso, compassivo, longânimo e assaz benigno (Sl 103.8), o justo juiz (Sl 7.11), terrível, zeloso e vingador do mal (Na 1.2), como testemunham as Escrituras. Esta é a Verdade. É este o verdadeiro Deus. Esta é a nossa fé.